18/09/2019
Uma única lesão cerebral pode contribuir para o deterioramento cognitivo. Pesquisadores ingleses chegaram a essa conclusão após realizar um estudo com 32 voluntários. Por meio de análises de imagem neurais apuradas, a equipe observou que pessoas que sofreram trauma no cérebro apresentaram aglomeração da proteína tau — relacionada a doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer — anos depois. Os dados da pesquisa foram apresentados, neste mês, na revista Science Translational Medicine.
A influência de lesões cerebrais sobre a proteína tau não é bem compreendida devido à limitação de instrumentos de análise disponíveis. “Embora a lesão cerebral traumática (TCE, em inglês) tenha sido associada a níveis exacerbados de tau em amostras de cadáveres, os efeitos a longo prazo de uma única lesão na distribuição dessa proteína e sua relação com danos neurais ainda não são claras”, destacam os autores.
Na tentativa de entender esse mecanismo, a equipe de pesquisadores, liderada por David J. Sharp, do Imperial College London, decidiu submeter voluntários que haviam sofrido TCE a tomografias por emissão de pósitrons usando flortaucipir, uma substância radiológica inovadora. Recém-desenvolvido, o flortaucipir permite a realização de análises mais apuradas da atividade neural de humanos. “Ele nos proporcionou uma imagem mais clara da distribuição da proteína tau, combinado com o uso de um método de análise não invasivo”, frisam os cientistas.
Participaram do experimento 32 indivíduos, sendo que 21 haviam sofrido lesão cerebral traumática há pelo menos 18 anos, devido a acidente de trânsito ou agressão. O estudo mostrou que esses participantes tinham uma distribuição de tau mais irregular que os 11 participantes que não haviam sofrido TCE (o grupo de controle). Também apresentaram desempenho mais fraco em testes de memória e cognição.
“Quando comparados a participantes saudáveis, os indivíduos que sofreram lesão cerebral tiveram desempenho mais baixo em vários parâmetros, incluindo velocidade de processamento cognitivo, memória verbal e visual”, detalham os autores. Desse grupo, aqueles com maior deposição de tau apresentaram tendência maior à neurodegeneração e a danos à substância branca do cérebro, tecido responsável pelo isolamento e pela “alimentação” de neurônios.
Ivan Coelho, médico neurocirurgião do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, e membro titular da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia (SBN), acredita que o estudo britânico pode ajudar na avaliação de indivíduos que sofreram lesões, uma tarefa considerada difícil por médicos. “Temos problemas para avaliar pacientes que sofreram um acidente de carro, por exemplo. Não sabemos dizer qual o grau de lesão cerebral quando, por fora, a pessoa parece bem, caminha, fala. Só pela ressonância magnética não conseguimos enxergar como o cérebro foi afetado”, explica.
Tratamento
O médico explica que a tau foi escolhida como alvo devido a sua relação já conhecida com problemas neurodegenerativos. “Chamamos essa distribuição irregular de hiperfosforilação da proteína tau. Com isso, ela começa a se acumular em alguns lugares, o que pode levar a problemas como a demência. Por isso é extremamente importante esse monitoramento”, ressalta.
Para os cientistas, a avaliação experimental poderá ajudar a projetar terapias direcionadas à redução do acúmulo da proteína cerebral, mas eles destacam que a investigação precisa ser aprofundada. “Nosso estudo tem várias limitações. A amostra relativamente pequena de pacientes, por exemplo, nos impede de realizar análises mais detalhadas. Porém, mostramos que uma única lesão pode estar associada a efeitos neurodegenerativos. No caso de pessoas que sofrem esse trauma na infância, isso pode gerar problemas no desenvolvimento do vocabulário”, ilustra.
O neurocirurgião Ivan Coelho também acredita que o estudo poderá contribuir para tratamentos médicos. “Temos muitas demências associadas ao acúmulo de tau em caso de acidentes automobilísticos, de lesão em atletas, como os boxeadores, e no Alzheimer. Quem sabe, no futuro, será possível evitar que essas aglomerações ocorram”, cogita. “Hoje, temos tratamentos para problemas graves de saúde, como o câncer, mas, em relação à demência, ainda não há opções altamente eficazes. Considerando o envelhecimento da população, é algo muito importante.”
Impacto na vigília
Pesquisadores norte-americanos observaram que a doença de Alzheimer pode atacar diretamente regiões do cérebro responsáveis pela vigília durante o dia. No novo estudo, publicado, mês passado, na revista Alzheimer’s and Dementia, os autores mediram, com precisão, os níveis de proteína tau e o número de neurônios em três regiões do cérebro envolvidas na promoção da vigília. A análise envolveu tecidos cerebrais de 13 pacientes que tinham falecido com Alzheimer e de sete indivíduos sem a doença.
Ao compararem os cérebros, os pesquisadores descobriram que os tecidos neurais de pessoas que tiveram Alzheimer apresentava um acúmulo significativo de tau nos três centros cerebrais promotores de vigília — o locus coeruleus (LC), a área hipotalâmica lateral (LHA) e o núcleo tuberomamilar (TMN) — e que essas regiões haviam perdido até 75% de seus neurônios.
Fonte: www.correiobraziliense.com.br