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Covid-19: casos de reinfecção aumentam incertezas sobre o combate ao vírus

Morte de mulher, na Holanda, que teve a covid-19 pela segunda vez, e confirmação, nos Estados Unidos, do primeiro caso de recontágio deixam especialistas em alerta. Segundo eles, ainda que raros, os registros sinalizam que há muito a se descobrir sobre a imunidade ao Sars-CoV-2

14/10/2020

Dez meses depois do primeiro caso confirmado de covid-19, na China, ainda são muitas as dúvidas sobre a imunidade ao Sars-CoV-2, uma questão fundamental para o desenvolvimento das vacinas. A morte relatada, ontem, de uma paciente de 89 anos que teve a doença duas vezes e a confirmação, na segunda-feira, do primeiro caso de reinfecção nos Estados Unidos aumentam as incertezas sobre o combate do organismo às mutações do vírus.

Especialistas afirmam que são ocorrências raras, e que não devem atrapalhar a eficácia de imunizantes, mas há outras questões que aguardam resposta, como a duração da imunidade adquirida e a gravidade da doença em uma infecção subsequente. Em agosto, cientistas publicaram o caso de um paciente de Hong Kong, infectado duas vezes, sendo que, da segunda, os sintomas foram brandos. Já o norte-americano de 25 anos, cujo caso foi descrito agora na revista The Lancet Infectious Diseases, enfrentou uma doença mais grave na segunda vez em que foi infectado, seis semanas depois da primeira.

A mulher que se tornou o primeiro paciente a morrer de covid-19 depois de ser reinfectada sofria de um tipo de linfoma não Hodgkin e já estava debilitada pelo tratamento do câncer raro, pois os medicamentos diminuíam a capacidade da medula óssea da idosa de 89 anos de produzir células de defesa. Na primeira vez que foi contaminada pelo Sars-CoV-2, ela teve febre e ficou hospitalizada por cinco dias. Dois meses depois, além da temperatura alta, a paciente apresentou falta de ar. Um exame genético revelou que o vírus tinha uma constituição genética diferente daquele que a infectou anteriormente.

À imprensa holandesa, a virologista Marion Koopmans, que acompanha casos de reinfecção no continente europeu com uma equipe da Universidade de Oxford, afirmou que a mulher morreu “com certeza por causa do coronavírus”, mas ressaltou que ela “também estava muito doente”. Segundo a médica, além dos cinco casos documentados e confirmados, outros 20 foram relatados pelo mundo. Na maioria deles, os sintomas são mais leves na segunda vez, disse. Citada pelo NL Times, da Holanda, Koopmans afirmou que é preciso entender se a reinfecção é algo característico da covid-19.

Até hoje, foram confirmados e publicados em revistas científicas cinco casos de reinfecção no mundo. Há outros sendo estudados, porém ainda não confirmados ou aguardam divulgação em revistas médicas. No Brasil, o Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (HC-USP) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) trabalham com 20 pacientes que podem ter sido contaminados duas vezes. Os números são considerados muito baixos — desde dezembro de 2019, 37 milhões de pessoas testaram positivo para Sars-CoV-2.

Porém, não se sabe exatamente quantos indivíduos podem ter sido reinfectados, pois, para isso, é preciso obter amostras virais do primeiro e do segundo contágio e realizar o complexo sequenciamento genético, para comparação. Por isso, dificilmente esse tipo de testagem se tornará corriqueiro, fora dos estudos científicos.

Pesquisa

“Embora saibamos que a resposta imunológica protege as pessoas após a recuperação da covid-19, suspeitamos que essa proteção diminua com o tempo, tornando a reinfecção possível. Não sabemos quanto tempo dura essa imunidade e se ela difere entre as pessoas que tiveram infecções graves, leves ou assintomáticas”, reconhece Ivo Mueller, pesquisador da Universidade de Melbourne, na Austrália. Ele lidera um estudo com 300 pessoas que usará amostras de sangue para examinar em detalhes as respostas imunológicas ao Sars-CoV2. Os participantes, que tiveram a doença ou contato com algum infectado, serão acompanhados por 12 meses após a exposição por meio de amostras regulares de sangue e swabs de nariz e garganta.

“Compreender a imunidade à covid-19 é vital para o desenvolvimento de estratégias de vacinação. Isso também vai gerar uma maior conscientização e nos ajudar a controlar melhor esse vírus na comunidade”, acredita Mueller. “Se pudermos prever a forma como a imunidade ao vírus se desenvolve ao longo do tempo, se e quando as pessoas podem ser reinfectadas e se os sintomas são menos graves após a reinfecção, seremos capazes de planejar adequadamente e ficar à frente do vírus.”

Vanessa Bryant, pesquisadora do estudo, diz que, embora cientistas do mundo todo corram para compreender a pandemia, muitos fatores vitais permanecem desconhecidos, e a imunidade é um deles. “Algumas pessoas ficam gravemente doentes e precisam de hospitalização, enquanto outras são quase totalmente assintomáticas.” A duração da resposta imune é outra questão que os cientistas australianos querem entender. Estudos demonstraram que, em pessoas infectadas, o nível de anticorpos cai drasticamente pouco tempo depois da cura, mas outros trabalhos indicam que, mesmo com uma quantidade baixa dessas proteínas, o ex-paciente está protegido, devido à ação de células de memória do sistema de defesa, que são acionadas e podem, segundo uma pesquisa recente, permanecer por toda a vida.

Os casos de reinfecção levantam dúvidas sobre o potencial dos esperados imunizantes que estão sendo desenvolvidos para prevenir a covid-19. Especialistas, porém, dizem que as respostas das vacinas superam às adquiridas naturalmente por pacientes que se recuperaram da doença e que as substâncias agem em mais de uma frente. “Existem mais de 100 vacinas que estão no estágio pré-clínico de investigação. Há cerca de meia dúzia de vacinas em fase III de testes e outras em vários estágios de desenvolvimento”, lembrou, em um painel para jornalistas transmitido pela internet, Susan Bailey, presidente da Associação Médica dos Estados Unidos.

De acordo com ela, a maioria da vacinas aborda a proteína viral spike, que se encaixa no receptor ACE2 das células do hospedeiro. “Eu não acho que quaisquer mutações que estamos vendo afetaria necessariamente a resposta a diferentes vacinas”, disse Bailey. “Não achamos que a covid vai agir como a gripe, que sofre mutações loucas o tempo todo, e é por isso que temos que ter uma nova vacina contra a gripe a cada ano e elas normalmente contêm três a quatro cepas diferentes. A covid não parece se comportar dessa forma.”

Dushyantha T. Jayaweera, infectologista da Universidade de Miami que também participou do painel, esclareceu que as vacinas anticovid estão sendo feitas com diferentes partes da proteína. “A teoria disso é que, se o vírus sofresse uma mutação contra um dos anticorpos, potencialmente o outro que ainda está no coquetel impediria a transmissão. Então, acreditamos que, mesmo que haja mutações, nossas vacinas ainda funcionariam. Quero dizer, a maioria das vacinas que for desenvolvida.”

Homem tem perda auditiva súbita

Embora incomum, a perda auditiva súbita permanente parece estar ligada à infecção por covid-19, alerta um estudo de caso britânico, publicado na revista British Medical Journal. A consciência desse possível efeito colateral é importante porque a rapidez para entrar no tratamento com esteroides pode reverter essa condição incapacitante, enfatizam os autores.

Não está claro quais são as causas da perda súbita de audição, mas a condição pode seguir uma infecção viral, como gripe, herpes ou citomegalovírus. Apesar de muitas pesquisas publicadas sobre o problema, poucos casos associados à covid-19 foram relatados até agora.

Os médicos, do Hospital de Ouvido, Nariz e Garganta da Universidade College London, descrevem o caso de um homem de 45 anos com asma que foi encaminhado para o Departamento de Ouvido, Nariz e Garganta na instituição após apresentar, repentinamente, perda de audição em um ouvido durante o tratamento para infecção por covid-19. Ele havia sido internado com sintomas da doença 10 dias antes e transferido para a UTI, por dificuldade de respirar.

O homem foi colocado em um ventilador por 30 dias e desenvolveu outras complicações como resultado. Ele foi tratado com remdesivir, esteroides intravenosos e uma transfusão de sangue, quando começou a melhorar. Porém, uma semana depois que o tubo respiratório foi removido e o paciente saiu da UTI, ele percebeu um zumbido no ouvido esquerdo seguido por uma perda auditiva súbita.

Receptor

O exame dos canais auditivos revelou que o homem não tinha obstruções ou inflamação. Mas um teste de audição mostrou que ele havia perdido substancialmente a audição no ouvido esquerdo. Ele foi tratado com comprimidos de esteroides e injeções e recuperou a audição parcialmente.

“Apesar da considerável literatura sobre a covid-19 e os vários sintomas associados ao vírus, há uma falta de discussão sobre a relação entre ele e a audição”, afirmam os autores do artigo. Eles citam a presença do receptor ACE2 em células que revestem o ouvido médio. Essa enzima é usada pelo Sars-CoV-2 para entrar nos tecidos. O micro-organismo também gera uma resposta inflamatória e um aumento nas substâncias químicas que têm sido associadas à perda auditiva.

Fonte: www.correiobraziliense.com.br

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