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"Crédito parcelado no cartão é abusivo e temerário", diz presidente da Febraban

Isaac Sidney afirma que o comércio e as operadoras de maquininhas enganam os consumidores quando dizem que o financiamento parcelado no cartão não tem juros. Sustenta, ainda, que acabar com o crédito rotativo não é a melhor solução

Lisboa — O crédito parcelado no cartão de crédito, defendido com veemência pelo comércio, se transformou em uma armadilha para as famílias, que estão se endividando de forma abusiva e temerária. É no que acredita o presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sidney, que passou pela capital portuguesa para um encontro com banqueiros locais e para anunciar o lançamento da Febraban Tech em Portugal.

“Estamos muito preocupados com essa situação, pois o parcelado sem juros, sem qualquer limitação, virou uma fonte temerária e abusiva de inadimplência e de superendividamento das famílias, que passaram a empilhar prestações a perder de vista, quando os consumidores deveriam ter alternativas que não o deixassem cair na armadilha dessa ciranda financeira”, diz.

O debate sobre o parcelamento no cartão de crédito, que o comércio diz ser sem juros, mas os bancos asseguram que é uma mentira, está atrelado ao futuro do rotativo do cartão, que, em média, cobra juros de mais de 400% ao ano. O Congresso deu 90 dias para que o sistema financeiro apresente uma proposta alternativa a essa modalidade de financiamento, prazo que se esgota em dezembro.

Na avaliação de Sidney, a solução não passa pelo fim do rotativo do cartão. Ele assegura que os juros elevadíssimos decorrem de fatores estruturais. Tanto que as fintechs também não conseguiram baratear essa linha de crédito. “A causa dos altos juros é o elevado risco de crédito, que não é remunerado, pois 75% dos recebíveis do cartão no Brasil, incluído o chamado parcelado sem juros, não pagam um centavo aos bancos. Essa é a razão de todos os emissores, bancos e fintechs, cobrarem juros tão elevados”, assegura.

O presidente da Febraban ressalta que não interessa aos bancos que os juros cobrados em todas as modalidades de crédito sejam tão elevados, pois acabam impulsionando a inadimplência. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Correio.

Como a Febraban está se posicionando em relação ao fim do crédito rotativo do cartão? Há espaço para pôr fim a essa linha de crédito?

Não pensamos que a solução do problema do rotativo está em acabar com essa linha de crédito. Não vai adiantar nada trocar apenas os pneus do carro se ele está com sério problema na engrenagem do motor. O problema não está no rotativo do cartão, mas nos juros cobrados. E a questão não é se os juros são altos, mas por que são e como fazer para termos juros menores. Aliás, por que razão os bancos digitais não conseguem praticar no rotativo do cartão taxas de juros mais baixas do que as cobradas pelos bancos tradicionais? Basta ver na base de dados do Banco Central que os maiores bancos cobram 14% ao mês e as fintechs 14,5% mensais. Existe uma razão estrutural para isso. No caso do rotativo do cartão, a causa dos altos juros é o elevado risco de crédito, que não é remunerado, pois 75% dos recebíveis do cartão no Brasil, incluído o chamado parcelado sem juros, não pagam um centavo de juros para os bancos.

O crédito parcelado no cartão tem de ser limitado? Por quê?

Antes de responder, queria só lembrar que os bancos criaram o crédito parcelado. Não é de hoje, financiamos a casa própria, o crédito rural, a compra do carro, criamos o crédito consignado e o crédito estudantil e damos crédito para as micro, pequenas, médias e grandes empresas. Portanto, parcelar crédito faz parte do nosso dia a dia. Temos tido a coragem de dizer que o parcelado sem juros não é sem juros e que o consumidor está sendo enganado. De sem juros nada tem, pois os juros estão embutidos no preço do produto. Dá para acreditar que uma geladeira custa o mesmo preço à vista e a prazo? Claro que não, isso é uma grande mentira. A bem da verdade, as maquininhas independentes sequestraram e distorceram a dinâmica do cartão, deixando o comércio refém da antecipação de recebíveis e os consumidores reféns de um parcelamento sem-fim. Estamos muito preocupados com essa situação, pois o parcelado sem juros, sem qualquer limitação, virou uma fonte temerária e abusiva de inadimplência e de superendividamento das famílias, que passaram a empilhar prestações a perder de vista, quando deveriam ter alternativas que não as deixassem cair na armadilha dessa ciranda financeira. Isso não vai dar certo, apenas estamos tentando desarmar a bomba relógio que vai explodir no pé do consumidor. É uma questão de tempo, ou seja, de quando e não se vai ocorrer.

O Banco Central vem, seguidamente, reduzindo as taxas de juros. Os consumidores já estão se beneficiando dessa queda? Mesmo com o recente recuo, os juros continuam muito elevados no Brasil. Por quê?

Em setembro, as taxas de juros e o spread (diferença entre por quanto os bancos captam e por quanto emprestam) já caíram pelo quarto mês seguido, refletindo a queda da Selic. Mas ainda temos no Brasil juros bem altos. Vejo, nesse ponto, um pecado original do país, que teima em não querer confessá-lo e muito menos em se arrepender dele. O problema é estrutural. Nosso mercado de crédito possui elevados custos de intermediação, com a inadimplência e a cunha fiscal respondendo por 60% do spread bancário, e sem meios eficazes de recuperação de garantias. Como é possível praticar juros menores se o Brasil é o país que menos recupera garantias no mundo e o que mais tempo demora para recuperar? Por exemplo, para cada centavo de dólar recebido em garantia das empresas em recuperação judicial, somente 18% retornam, quando, na mediana dos países, o índice é de quase 50%. Temos taxas de juros muito altas porque temos custos de crédito muito elevados. A cada R$ 100 de spread, quase R$ 40 são para o cobrir os custos da inadimplência, o que não existe em lugar nenhum do mundo. Recuperar crédito no Brasil, além de ser caro, é muito demorado, leva-se até quatro anos. Há, ainda, a cunha fiscal que incide sobre o crédito, que chega a 22% da composição do spread. Infelizmente, a reforma tributária que o Congresso está por aprovar não vai tirar o Brasil dentre os seis países do mundo que tributam o crédito. Isso tudo vai parar nas taxas de juros.

O Congresso aprovou, recentemente, a Lei das Garantias, que facilita a recuperação do crédito. Ela realmente trará benefícios para consumidores e empresas que precisam de crédito?

Com certeza, andamos boas casas nesse tabuleiro, especialmente quando olhamos para o crédito imobiliário. Isso porque um imóvel poderá ser recebido em garantia de mais de um empréstimo, o que permitirá ao consumidor acessar linhas garantidas mais baratas. Mas o Marco de Garantias deixou a desejar na parte de financiamento de veículos. O veto à busca e apreensão prejudica a retomada extrajudicial de carros financiados, e não podemos perder a oportunidade de ampliar a expansão dos financiamentos para a aquisição de veículos. A Lei das Garantias foi discutida intensamente com os bancos, com o Banco Central, com o governo passado e o atual para reduzir o tempo de demora da recuperação do crédito. Queremos baratear os juros para financiar a compra de carros e, nesse sentido, vamos trabalhar para a derrubada do veto, pois, hoje, a cada 100 carros financiados que não são pagos, só conseguimos recuperar 20. Não por outra razão, nos últimos 10 anos, o mercado de crédito de veículos despencou, pois, de sete, passamos a financiar apenas três veículos novos.

A percepção geral da sociedade é de que os bancos adoram juros altos.

É uma falácia essa história de que os bancos gostam de juros altos. Indo direto ao ponto dessa questão: os bancos não precisam de juros altos para lucrar. Basta comparar a rentabilidade dos bancos com a de outros setores da economia para vermos que o setor bancário está na 17ª posição e há 15 anos não está entre os cinco mais rentáveis. Logo, os bancos não se beneficiam de juros altos para lucrarem. É preciso deixar bem claro que os bancos desejam que os juros caiam, mas isso não depende só do sistema bancário. Depende de fatores que interferem diretamente no altíssimo custo de captação e de intermediação financeira.

Há, ainda, a questão da concentração, da falta de concorrência no sistema.

No mundo todo, o setor bancário é concentrado, por ser intensivo de capital por exigência regulatória. Mas, de novo, quando comparados a outros setores da economia, os bancos, em termos de concentração, aparecem na 13ª posição. Portanto, não somos nem o setor mais rentável da economia nem o setor mais concentrado. Mas insistem nessa cantilena contra nós e vamos continuar explicando a quem se interessa pela verdade.

Como está a disposição dos bancos para liberar crédito?

O crédito tem sido uma alavanca muito importante para a retomada da economia brasileira. Basta ver que, nos últimos três anos, os bancos emprestaram quase R$ 20 trilhões a empresas e famílias. É uma quantia excepcional, levando-se em conta o tamanho da nossa economia. Isso também reforça a capacidade de alavancagem dos bancos brasileiros, que têm uma posição muito sólida e muito espaço para expandir o crédito. Quando olhamos os índices de capital bem acima dos indicadores da Basileia (parâmetro para medir a saúde de uma instituição financeira) e os próprios indicadores de solvência definidos pelo Banco Central, vemos um sistema bancário muito robusto. Desde 2020, o estoque de crédito em proporção do PIB passou de 46% para 53%, um crescimento consistente e sustentável.

Que espaço há para o crescimento do crédito?

As concessões mensais de crédito têm se situado em torno de meio trilhão de reais e a carteira dos bancos já soma R$ 5,5 trilhões. Nossa previsão é de expansão de 7% a 8% neste ano. Saímos de um crescimento médio de 15% ao ano entre 2020 e 2022. Vamos crescer menos em 2023, mas é um processo de normalização, de acomodação natural. Mas um aumento de 8% ainda é substancial, se considerarmos que o PIB deste ano deve dar um salto de 3%. O crédito continuará sendo um combustível importante para o incremento mais sustentado da atividade.

Quais operações de crédito crescem mais, para as famílias ou para as empresas?

Às famílias, sem dúvida. Nos últimos 12 meses, as operações nesse segmento avançaram 10%. No caso do crédito às empresas, o crescimento é mais lento. Tivemos, no início do ano, um fenômeno que ampliou bastante a aversão ao risco, que foi a fraude nos balanços das Americanas, uma rede de varejo muito importante. Depois, tivemos a recuperação judicial da Oi e da Light. Com isso, houve um arrefecimento do crédito corporativo, que cresce em torno de 3% a 4%. Entre as pequenas e médias companhias, o incremento é um pouquinho maior, de 6%. As grandes companhias estão voltando a se financiar no mercado de capitais, o que é ótimo, pois libera o balanço dos bancos.

Nesse movimento de crescimento do crédito, como está na inadimplência?

Está relativamente estável, em torno de 4%. Desde o início do ano, temos visto a inadimplência subir, retornando a patamares pré-pandemia, mas tudo indica que o índice de atrasos chegou ao pico. No caso das famílias, já se estabilizou.

Em tempos de mudanças climáticas aceleradas e eventos extremos cada vez mais frequentes, qual é agenda de sustentabilidade dos bancos?

A Febraban está envolvida numa agenda voltada para a pauta ESG. Não dependemos do regulador bancário para termos uma atuação ativa e protagonista. Todas as 115 instituições associadas estão submetidas a regras do BC que permitem uma gestão dos riscos ambientais, climáticos e sociais. Recentemente, criamos na Febraban uma autorregularão que proíbe os bancos de concederem crédito aos frigoríficos que estejam com elos de suas cadeias espalhados por áreas de desmatamento ilegal. Não só: pegamos 1.300 atividades econômicas, mapeamos todas e as classificamos em três categorias: créditos sustentáveis, que se enquadram na economia verde; créditos voltados para empreendimentos que acabam gerando ou sofrendo riscos ambientais; e créditos que estão expostos aos efeitos das mudanças climáticas. Identificamos que 20% do total emprestado pelos bancos a empresas são destinados para financiar atividades sustentáveis e vamos ampliar o crédito para um mercado de finanças sustentáveis. O setor bancário pode ser muito importante para uma série de transições em relação à sustentabilidade, como a transição energética, a transição para a economia de baixo carbono e para a monetização de ativos ambientais. O setor tem um potencial imenso para atuar na economia sustentável.

Fonte: Correio Braziliense / Postado em 20/11/2023 04:10

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