Pedir demissão da empresa em que você trabalha pode ser uma grande queda de braço.
De um lado, pedir demissão é menos custoso para o empregador e de outro, prejudicial para quem decide se desligar da empresa.
Entre a demissão sem justa causa e pedir demissão pelo empregado, temos o acordo rescisório criado pela reforma trabalhista, a lei número 13.467/17, que funciona como um “meio-termo” dos custos de um desligamento.
Mas é necessário ficar atento!
Às vezes pedir demissão não é a verdadeira vontade do funcionário, que pode ter sido pressionado para forçar uma rescisão mais barata, o que é completamente ilegal.
Outra situação corriqueira, com aparência de demissão mas que não é, é quando o empregado pede para sair por estar sendo prejudicado em seus direitos trabalhistas com prejuízo a sua integridade física e moral.
Nos dois casos o Poder Judiciário pode ser acionado para corrigir tal irregularidade. Vamos entender de que forma esses casos acontecem.
Contrato de trabalho após a reforma trabalhista
O pedido de demissão ocorre quando o empregado toma a iniciativa de deixar o trabalho.
Nesse caso, a regra geral é de que o pedido de demissão seja interpretado pela lei como desemprego voluntário, ou seja, que existe por vontade própria de quem saiu.
A compreensão disso é importante para entendermos algumas consequências jurídicas dessa afirmação, porque existe muita diferença entre verbas rescisórias por desemprego voluntário e involuntário.
É por isso que se o pedido de demissão for contra a vontade do empregado, cabe um processo na Justiça para mudar o tipo de rescisão e liberar as verbas de acordo com a realidade.
Para garantir todos os direitos, o empregado deve pedir cópia de tudo o que assinar ou tirar cópia de todo documento que entregar, porque isso ajuda no processo e nos cálculos trabalhistas.
Quando o assunto é pedir demissão, a reforma trabalhista traz duas mudanças que merecem destaque:
O pagamento deve ser em até 10 dias após a rescisão, com ou sem aviso prévio (artigo 477 da CLT) e;
O sindicato não precisa mais homologar o pedido de demissão, mesmo nos contratos de longa duração.
Mas como toda regra, as duas alterações também trazem exceções. No caso do prazo de 10 dias depois da rescisão, se o período é desrespeitado o empregador paga multa de um salário mensal do empregado.
No entanto, há uma discussão se a multa é paga somente na falta da verba pelo fim do contrato, ou também pelo atraso na entrega dos documentos de rescisão.
Até a reforma trabalhista, prevalecia que só a falta das verbas de rescisão geravam a multa do artigo 477 da CLT, podendo demorar mais tempo a entrega da documentação, aliás, algo que sempre ocorria pela espera da homologação do pedido de demissão pelo Sindicato.
Agora que a homologação não é mais a regra, “a entrega ao empregado de documentos que comprovem a comunicação da extinção contratual aos órgãos competentes bem como o pagamento dos valores constantes do instrumento de rescisão ou recibo de quitação deverão ser efetuados até dez dias contados a partir do término do contrato” (artigo 477, § 6o da CLT).
Por isso o atraso na entrega de documentos de rescisão pode gerar a multa do artigo 477.
A ressalva fica a cargo dos conflitos de aplicação da lei no tempo.
Se as rescisões ocorreram antes de novembro de 2017 (época da reforma), a Justiça trabalhista aplica o entendimento antigo, de não aceitar o atraso do pagamento, mas aceitar o atraso da documentação.
Um caso assim foi julgado pela 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) em 2020, que tratou de uma rescisão de 2014.
Os juízes decidiram, por unanimidade, excluir a multa justamente porque “o fato gerador da penalidade era o atraso na quitação das verbas e não a homologação da rescisão (documento)” (processo RR-1347-71.2016.5.07.0007).
Quanto à homologação pelo sindicato ela continua para os trabalhadores estáveis.
Segundo o artigo 500 da CLT, “o pedido de demissão do empregado estável só será válido quando feito com a assistência do respectivo Sindicato e, se não o houver, perante autoridade local competente do Ministério do Trabalho e Previdência Social ou da Justiça do Trabalho”.
Valor da rescisão no pedido de demissão
A melhor métrica para entender o acerto trabalhista é o valor do salário. Esse é um localizador importante para cálculos.
A grande desvantagem em pedir demissão é que o empregado não recebe a multa de 40% sobre o FGTS, não tem direito ao saque da conta vinculada, que é só para o desemprego involuntário e não recebe seguro-desemprego.
Por isso o acerto fica mais ou menos assim:
Saldo de salário: dias de trabalho que ainda não foram pagos;
Férias vencidas (se for o caso) e proporcionais com o adicional de 1/3: a cada 12 meses de trabalho o empregado tem um mês de férias e os meses acumulados antes das próximas férias geram um valor proporcional;
13º salário proporcional;
Depósito do FGTS do mês da rescisão;
Aviso prévio: pode ser trabalhado se o empregador quiser ou indenizado. O prazo é para que o empregador se organize para nova contratação e para que o empregado procure novo emprego. Caso o trabalhador não seja dispensado do aviso prévio e ainda assim não compareça ao trabalho, a empresa pode descontar o aviso.
Pedido de demissão do trabalhador estável
Acompanhe comigo o raciocínio: a estabilidade do trabalhador é uma proteção da lei contra a dispensa arbitrária durante alguma situação de fragilidade do contrato de trabalho.
Na prática, o patrão só pode mandar embora com indenização, correndo ainda o risco de ser obrigado a aceitar o retorno do funcionário por reintegração.
Temos os exemplos da trabalhadora gestante e do acidentado do trabalho.
A gestante fica estável até cinco meses após o parto (artigo 10 do ADCT constitucional), enquanto o acidentado que retorna ao trabalho fica estável por 12 meses após o fim do auxílio-doença (artigo 118 da lei 8.213/91).
Dizemos que existe fragilidade no contrato de trabalho porque o trabalhador se distancia da atividade por certo tempo, o que gera desconexão entre o que o empregado pode proporcionar e o que o empregador deseja do ponto de vista de execução do contrato.
Esse distanciamento precisa ser tolerado por ser justificável, é o caso da funcionária que engravida ou adoece.
Um caso julgado pela justiça do Trabalho de Minas Gerais (processo número 0010500-36.2019.5.03.0072, Data: 16/10/2019) trouxe uma situação corporativa envolvendo a gestante.
Nesse caso, não bater as metas gerava punições internas e pressão para que os empregados pedissem demissão e fossem ameaçados com justa causa.
A questão envolveu vários conflitos éticos entre limites de abuso do poder e subordinação do empregado, ao final o comando excessivo de ordens e punições, ainda que veladas, ficou definido como “assédio moral organizacional”.
Não só foi possível transformar a demissão em rescisão indireta porque a relação de trabalho e a confiança mútua se tornaram difíceis (artigo 483, incisos b, d, da CLT), como também foi concedida indenização por quebra da estabilidade da trabalhadora.
Uma vez que essa proteção existe para evitar a rescisão arbitrária ou discriminatória, situação muito diferente é quando o próprio trabalhador estável pede demissão espontaneamente, sem coação.
Nesse caso ele abre mão da estabilidade porque também tem o direito de não permanecer na atividade, dispensando a proteção extra da lei para a opção mais difícil: permanecer (precedente: processo 0000425-85.2017.5.10.0015).
Por isso, a grávida que pede demissão não tem direito de reintegração ou aos meses de trabalho em estabilidade se foi ela quem escolheu se desligar da empresa.
A 3ª turma do TRT da décima região entendeu que a estabilidade existe para a manutenção do emprego da grávida, como proteção financeira a ela e ao feto e não para remunerar o afastamento da atividade, uma função da licença-maternidade (Processo: 0001716-20.2012.5.10.0008).
Mas repetindo, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) já confirmou que a estabilidade é irrenunciável ainda que haja demissão se houve coação ou ameaça por parte da empresa para que a gestante renunciasse a estabilidade e fizesse o próprio pedido de demissão (precedentes: RR-1000987-93.2018.5.02.0038 e RR-345-91.2018.5.12.0028).
É possível converter o pedido de demissão em rescisão indireta?
Basicamente, a rescisão indireta significa romper com o contrato de trabalho por culpa de quem emprega.
É um equivalente da “demissão por justa causa” no outro lado da situação.
Mas ao contrário da demissão por justa causa, que tem sido praticada sem grandes obstáculos pelos empregadores, a rescisão indireta precisa de um processo judicial iniciado pelo empregado.
Lembramos que a consequência de uma ação favorável é o pagamento completo de todas as verbas de uma demissão injusta, inclusive com danos morais dependendo de como ela ocorreu.
Há vários motivos de rescisão indireta, mas todos eles se reduzem à mesma coisa: o descumprimento do contrato de trabalho.
Como exemplo citamos a transferência do funcionário para localidade muito distante da residência dele sem que concordasse (processo 1000310-78.2020.5.02.0075 da 75ª Vara do Trabalho de São Paulo) ou o atraso repetido de salários (acórdão do processo RR – 77200-45.2009.5.15.0125, TST).
Nós já publicamos um artigo sobre a rescisão indireta que pode ser acessado aqui: Rescisão Indireta: 7 Hipóteses Para Pedir (saberalei.com.br).
Direitos previdenciários
Quem pede demissão vai ficar sem contribuir para o INSS por um tempo até conseguir recolocação em outro emprego ou até começar a pagar por conta própria.
Por isso a lei concede um prazo de “espera” antes de retirar a qualidade de segurado do desempregado.
A regra geral mantém a qualidade de segurado por até 12 meses de desemprego, se o segurado “deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou se estiver suspenso ou licenciado sem remuneração”, segundo o artigo 15 da lei 8.213/91.
Nesse caso não importa a modalidade de rescisão do contrato de trabalho, por isso o prazo de 12 meses é para todos.
No entanto, dentro do que temos falado, se ficar comprovado que o desemprego é involuntário e a pessoa recebeu seguro desemprego ou se mostra estar ativo em cadastro público de vagas, como o SINE, o prazo de 12 meses vira 24:
“Artigo 137, § 4º, da Instrução normativa número 77/15: O segurado desempregado do RGPS terá o prazo [de 12 meses de graça]acrescido de [outros] doze meses, desde que comprovada esta situação por registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, podendo comprovar tal condição, dentre outras formas:
I – comprovação do recebimento do seguro-desemprego; ou
II – inscrição cadastral no Sistema Nacional de Emprego SINE, órgão responsável pela política de emprego nos Estados da federação”.
Assim, o empregado que pede demissão não perde imediatamente a cobertura dos direitos previdenciários, por isso ele pode solicitar novos benefícios por incapacidade, aposentadoria, salário maternidade ou pensão por morte para dependentes.
Mas o segurado precisa pedir e comprovar o direito à prorrogação, porque o INSS não comunica dados com o SINE ou o FGTS, pelo menos por enquanto.
Para quem já está há mais de um ano sem recolocação no mercado e não contribui por conta própria ou, só recebe o benefício de auxílio-acidente, aconselhamos que volte a contribuir como segurado facultativo para evitar a perda da qualidade de segurado.
Acordo de demissão
Na época a novidade trazida pela reforma trabalhista gerou muita polêmica: agora é possível rescindir o contrato de trabalho por mútuo acordo.
Felizmente, isso não quer dizer que o acerto é opcional, veja só:
“ Art. 484-A da CLT: O contrato de trabalho poderá ser extinto por acordo entre empregado e empregador, caso em que serão devidas as seguintes verbas trabalhistas:
I – por metade:
a) o aviso prévio, se indenizado; e
b) a indenização sobre o saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, prevista na lei número 8.036/90;
II – na integralidade, as demais verbas trabalhistas (saldo de salário, férias e 13º proporcionais, horas extras não compensadas, etc.).
§ 1o A extinção do contrato prevista no caput deste artigo permite a movimentação da conta vinculada do trabalhador no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço na forma da lei, limitada até 80% (oitenta por cento) do valor dos depósitos.
§ 2o A extinção do contrato por acordo prevista no caput deste artigo não autoriza o ingresso no Programa de Seguro-Desemprego.”
No caso da demissão por acordo o empregado também abre mão da estabilidade, lembrando que nesse caso a homologação do sindicato é essencial para atender ao artigo 500 da CLT.
O acordo é melhor do que a demissão para o empregado porque autoriza o saque de conta vinculada ao FGTS e o depósito de metade da indenização a que teria direito o dispensado sem justa causa, o que não está previsto para quem pedir demissão.
A inviabilidade do seguro desemprego permanece igual, porque parte-se do pressuposto de que no acordo o empregado também quer sair do emprego voluntariamente.
Em contrapartida, o acordo é melhor do que a demissão sem justa causa para o empregador, porque os valores da multa do FGTS e do aviso prévio indenizado são mais baixos e gera renúncia de estabilidade, mas nesse caso o empregador precisa ser transparente.
Indenização por dano moral
É possível discutir indenização no Judiciário trabalhista sempre que o pedido de demissão tiver sido irregular (forçado ou com erro de documentação).
É muito comum, por exemplo, que o pedido de demissão por atraso de pagamento e depósito de FGTS seja convertido judicialmente num pedido de rescisão indireta (Processo PJe: 0010721-46.2017.5.03.0021 (RTOrd), TRT 3ª Região) e com ela podemos também imaginar a configuração de dano moral.
Mas a indenização por dano moral é um valor que vai além da verba rescisória, ela é um “extra” judicializado em razão de algum prejuízo excepcional do empregado.
É o que ocorre, por exemplo, no caso de humilhações públicas ao demitir, de traumas no ambiente de trabalho, agressões e ofensas, por isso dependendo do caso, ainda que o pedido de demissão não seja convertido em rescisão indireta é possível falar em indenização por dano moral.
No caso do trabalhador estável a indenização por dano moral está muito relacionada com a dispensa discriminatória (rescisão do contrato por preconceito).
Foi o caso de uma gestante, por exemplo, que sofreu assédio moral por segregação no ambiente de trabalho porque teve “queda da produtividade” depois de ficar grávida.
Além de rescisão indireta, também foi concedida a ela indenização por dano moral porque o tratamento desfavorável da empresa atingiu seu estado psicológico “seja pela dor, sentimento de humilhação, intranquilidade ou qualquer outro constrangimento capaz de repercutir na esfera da sua autoestima, sobretudo tendo em vista o estado de gravidez”. (PJe: 0010500-36.2019.5.03.0072, Data: 16/10/2019, 10ª Turma, TRT/MG).
Concluindo
Seja no pedido de demissão ou no acordo, a rescisão por iniciativa do empregado não anula todos os direitos.
As principais diferenças estão no seguro-desemprego, no depósito da multa do FGTS e na movimentação da conta vinculada, sujeitos a condições diferentes.
No que se refere aos benefícios previdenciários, uma eventual demissão não desliga o empregado automaticamente da cobertura, justamente porque a lei lhe confere um tempo que varia de 12 a 36 meses para que se reorganize profissionalmente até voltar a contribuir, algo conhecido por “período de graça”.
Cada caso é muito único, por isso o advogado precisa analisar se pedir demissão foi de fato uma vontade ou se ela foi manipulada para diminuir custos da empresa, da mesma forma, a indenização por dano moral precisa ser estudada de acordo com a realidade de cada um.
Fonte: www.mixvale.com.br / Publicado em 26/06/2023 10:43hs