Quando um diagnóstico de demência se abate sobre uma família, com frequência a primeira adversidade a ser enfrentada é o distanciamento de parentes e amigos. Tal processo tende a ser progressivo e atinge não apenas o paciente, mas também seu cuidador. Por que mesmo as pessoas próximas se afastam? Algumas razões, que não são desculpas: não sabem o que dizer; temem falar algo inconveniente; sentem-se incapazes de encarar a nova situação, que as remete à sua própria mortalidade. Esse foi o tema do seminário “Construindo e mantendo relações depois de um diagnóstico de demência”, realizado pela ACL (Administration for Community Living), com o objetivo de encorajar cuidadores a buscar ajuda, no seu círculo e em grupos de apoio.
Os debatedores eram Matthew Estrade, responsável por um programa de formação de mão de obra para pacientes geriátricos na Universidade de Louisiana (EUA), e Ana-Shea Edwards, que há seis anos é a cuidadora da mãe e fez dessa atribuição uma causa, tendo se tornado palestrante em fóruns sobre o assunto. Estrade deu início à apresentação dizendo que, embora quebrar o isolamento e nutrir laços emocionais seja fundamental, a primeira barreira a ser transposta é a da sensação da perda ambígua.
O termo foi criado na década de 1970 pela pesquisadora Pauline Boss, professora emérita da Universidade de Minnesota, e descreve um quadro no qual a pessoa está presente fisicamente, mas ausente psicologicamente. Também pode ser aplicado aos que estão fisicamente ausentes, mas psicologicamente presentes – esse foi o tema de seu estudo sobre os soldados norte-americanos que lutavam no Vietnã. “Todos têm o direito de ter sentimentos conflitantes, múltiplas coisas podem ser verdade ao mesmo tempo e é preciso equilibrar controle e aceitação”, disse Estrade.
Ana-Shea foi categórica ao afirmar que o isolamento não é uma saída: “retirar-se do convívio significa perder os rituais sociais. É preciso sair do casulo e procurar grupos e redes de apoio, inclusive on-line. A cultura da sociedade tenta remover o envelhecimento e o processo de morte da vista das pessoas, levando ao isolamento da pessoa doente e do seu cuidador”. Ela acrescentou que, nos grupos de apoio, encontra-se consolo em compartilhar experiências com quem está em situação similar, mas as redes de apoio preenchem a necessidade de conexão e podem significar uma ajuda eficaz, como ter alguém para dividir as tarefas cotidianas.
Na sua avaliação, cuidadores se isolam por vergonha, ou porque têm expectativas pouco realistas de que darão conta de tudo. “Esta é uma comunidade marginalizada. As cuidadoras mais velhas passam a se sentir desconfortáveis em seu círculo: as amigas têm filhos e netos, uma vida familiar e social, enquanto elas estão encerradas em seu mundo cheio de atribuições. Os mais jovens perdem a possibilidade das conquistas de sua geração: emprego, casamento, filhos”, concluiu. Dados da pesquisa “The Global Carer Well-being Index”, realizada em 2020, dão um panorama das consequências da pandemia: 20% se tornaram cuidadores pela primeira vez e 33% dedicavam mais de 30 horas por semana a essa atividade. Outros dados relevantes: 81% tiveram que abrir mão de forma significativa da sua vida pessoal; 61% se sentiam pior do ponto de vista emocional ou mental; e 54% enfrentaram uma piora financeira.
Fonte: G1 / postado em 07/09/2021 06h00