O déficit previdenciário é uma questão que exige mudanças da sociedade brasileira para além da reforma da Previdência de 2019.
E essas alterações passam não apenas por definir novas regras para o sistema, mas encontram caminho na educação financeira, que levaria mais gente a investir no mercado de capitais.
É o que sugere o documentário “INSS: A Bomba Relógio do Brasil”, que aborda a necessidade de investimentos individuais para se ter uma aposentadoria confortável —contar apenas com a renda da Previdência Social altera o padrão de vida para pior—, mas trata principalmente de déficit, envelhecimento, informalidade, queda nas taxas de natalidade e benesses insustentáveis nos benefícios de alguns setores.
O filme de cerca de 35 minutos, produzido pelo sistema AGF, está disponível de forma gratuita no YouTube a partir das 20h desta segunda-feira (10). A ideia central é mostrar a um público amplo que contar apenas com aposentadoria do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) fará o padrão de vida cair.
E qual é o caminho individual e coletivo para garantir renda futura a quem contribui, ampliar o número de investidores na Bolsa de Valores, sem deixar de considerar que a Previdência tem caráter social?
Para responder a essas questões e evidenciar o panorama atual, o documentário ouviu especialistas em previdência e contas públicas como o professor Hélio Zylberstajn e Fábio Giambiagi, o cientista político Paulo Tafner e o economista e ex-secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida.
Há ainda entrevistas com o economista e filósofo Eduardo Giannetti, Luiz Barsi Filho, um dos maiores investidores pessoa física da Bolsa de Valores e pai de Louise Barzi, uma das fundadoras do AGU, e Ana Carla Abrão, vice-presidente de novos negócios da B3.
A Previdência consome hoje de 12% a 13% do PIB (Produto Interno Bruto), com déficit que consome cerca de 2,5% do PIB. Em 2023, o gasto total com benefícios do RGPS (Regime Geral de Previdência Social) foi de R$ 896 bilhões, enquanto a receita com contribuições previdenciárias ficou em R$ 592 bilhões.
No regime próprio, dos servidores públicos, o rombo é maior, pois a arrecadação representa cerca de 50% do total gastos, ou seja, servidores federais consomem o dobro do que arrecadam. No documentário, Tafner aponta que as benesses de alguns setores, como Judiciário e sistema de previdência militar, por exemplo, é o que infla esses números.
A aposentadoria média no serviço público federal fica em torno de R$ 5.400, enquanto no INSS, o benefício médio pago pela Previdência Social é de cerca de R$ 1.800. O problema, neste caso, é a quantidade de beneficiários do INSS, em torno de 39 milhões, segundo Zylberstajn.
Para Manuetto, a discussão precisa ser travada, mesmo que não seja feita reforma nos próximos dois anos. “A gente está hoje com a Previdência que possivelmente vai ficar crescendo acima de 2,5%. Como também alguns outros gastos, como saúde e educação, que são vinculados à arrecadação. Então, a gente vai ter que, primeiro, discutir a questão de vinculação [do salário mínimo ao piso das aposentadorias]. E segundo, a questão previdenciária”, diz Mansuetto.
Do lado da arrecadação, há dificuldades como a alta quantidade de profissionais na informalidade, em cerca de 30 milhões, um número de MEIs (Microempreendedores Individuais) —em 13 milhões—, que contribui com valor baixo, de 5%, além de outros cidadãos que não contribuem com a Previdência, mas têm direito a uma renda, como é o caso do BPC (Benefício de Prestação Continuada) para idosos e pessoas com deficiência de baixa renda.
Soma-se a isso a diminuição do número de filhos por famílias, com expectativa que, até 2023, a taxa de natalidade seja de 1,5 filho por mulher no Brasil, fenômeno que ocorre em outros países e terreno onde certezas econômicas não serão respondidas sem antes passar por questões sociais e de comportamento humano.
O lançamento do documentário, na terça (4), foi sucedido debate que contou com a presença do professor Zylberstajn, Mansuetto e Barsi. Os especialistas defendem uma nova reforma da Previdência, sem definir uma data-limite para a nova mudança, mas que deveria ser feita o quanto antes.
Além disso, fazem coro com a proposta da ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, de desvincular o piso das aposentadorias do salário mínimo.
Hoje, como determina a Constituição Federal, nenhum aposentado brasileiro —seja no regime geral ou no regime próprio, destinado a servidores— pode ganhar menos do que um salário mínimo, mesmo que a média de suas contribuições durante a vida laboral seja menor que o mínimo em vigor.
Há ainda a política de valorização do salário mínimo, que recebe reajuste acima da inflação, com base no crescimento das riquezas do país.
“Então a gente vai ter que ter essa discussão. Porque senão a gente vai ter que aumentar mais ainda a carga tributária. E o problema é que, como tem vinculação de despesa e carga tributária, aumentando a carga tributária a despesa também cresce mais”, afirma Mansuetto.
Definir o INSS como a bomba-relógio do Brasil pode ser uma estratégia para chamar atenção, mas talvez possa afastar outros públicos, já que boa parte dos brasileiros ainda não está no caminho de poupar e não vê o mercado de capitais como uma alternativa.
O filme começou a ser feito há cerca de nove meses, antes mesmo de surgir debate sobre a necessidade de nova reforma da Previdência. Felipe Ruiz, CEO do AGF, afirma que a ideia do documentário era trazer um panorama sobre o INSS do ponto de vista econômico, para mostrar a trabalhadores, especialmente das classes A e B —mas também de outras classes— que é possível montar uma carteira para garantir conforto na aposentadoria.
Para quem tem renda menor, no entanto, Ruiz faz um alerta: “O que a gente prega muito não é para você deixar de contribuir para a Previdência. A gente entende essa importância, mas a gente acredita que você tem a oportunidade de também ir além e criar sua própria previdência em paralelo”, afirma.
“Eu acho que o ponto mais importante que a gente tem que tocar é o de tentar convencer a população de que o INSS não vai ser suficiente, que a gente precisa mudar o sistema. Acho que esse é o ponto básico. É um sistema destinado a custar cada vez mais, um país que tem cada vez menos recursos para isso”, afirma Zylberstajn.
A Previdência Social brasileira é um regime de repartição, no qual os mais jovens pagam os benefícios dos que estão na ativa. Essa contribuição obrigatória, no entanto, dá direito à aposentadoria no futuro, mas também a benefícios como pensão por morte para dependentes e por incapacidade, se ficar incapacitado para o trabalho.
Fonte: Folha de SP / SEEB GO / Publicado 10/06/2024 – 4hs