O número de aposentados e pensionistas do funcionalismo público federal vem crescendo de forma expressiva ao longo dos últimos anos, principalmente nas faixas etárias mais avançadas. Dados comparativos entre 2014 e 2024 revelam um aumento do número de servidores acima dos 50 anos. O destaque fica por conta do grupo de aposentados e pensionistas com 90 anos ou mais, que teve um aumento de 48,8%. Somente esse grupo cresceu três vezes mais do que o de beneficiários com mais de 60 anos, que registrou um crescimento de 15,1%.
Em 2014, o número total de aposentados no serviço público federal era de 382.229 pessoas. Dez anos depois, em 2024, esse número subiu para 414.516, evidenciando uma tendência de crescimento que exige a atenção do governo. Em 2014, a maior parte dos aposentados se concentrava na faixa etária de 66 a 70 anos, com 72.668 pessoas. Já em 2024, o grupo com a maior participação é o da faixa etária de 71 a 75 anos, com 88.210 beneficiários.
Por outro lado, o número de aposentados em faixas mais jovens — entre 26 e 50 anos — registrou queda. Em 2014, havia cerca de 2.536 aposentados nessa faixa, e, em 2024, esse número caiu para 1.819. A advogada especialista em Previdência Cynthia Pena relembra as mudanças ocorridas ao longo da última década:
— Nos últimos anos, as reformas previdenciárias têm buscado adaptar o sistema a essa nova realidade. Uma delas ocorreu na concessão de pensão por morte, que não é mais vitalícia em todos os casos para cônjuges e companheiros.
Diante desse cenário, Cynthia reforça a importância do planejamento previdenciário adequado.
Implicações acendem alerta
O aumento no número de aposentados e pensionistas mais velhos, especialmente aqueles com mais de 90 anos, acarreta implicações financeiras importantes para a Previdência. Vera Chaves de Azevedo Tecles, coordenadora jurídica do escritório Chaves de Azevedo Advogados Associados, alerta para o impacto direto desse crescimento nas contas públicas.
— O aumento de 48% no número de aposentados e pensionistas com mais de 90 anos no Executivo federal, ao longo de uma década, não é apenas um reflexo do aumento da expectativa de vida, mas também uma questão que coloca em foco a sustentabilidade do sistema previdenciário brasileiro–afirma Tecles.
Ela destaca que esse fenômeno decorre tanto de avanços na medicina quanto de melhorias nas condições gerais de vida, mas também pressiona a capacidade do governo de manter o pagamento desses benefícios por um período maior do que o previsto.
A transição demográfica que o Brasil atravessa, com uma proporção cada vez maior de aposentados em relação aos contribuintes ativos, intensifica os desafios da previdência. Segundo Tecles, embora a Reforma da Previdência de 2019 tenha trazido avanços como o aumento da idade mínima para aposentadoria e a alteração no cálculo dos benefícios, essas medidas ainda não são suficientes para lidar com a mudança na expectativa de vida.
— Sem ajustes na idade de aposentadoria, o sistema previdenciário corre o risco de se tornar insustentável a médio e longo prazo — alerta Tecles.
No entanto, ela também ressalta que o simples aumento da idade mínima sem levar em consideração as condições de vida dos trabalhadores pode ser uma solução limitada, que acaba sobrecarregando os mais vulneráveis:
—Uma abordagem mais justa seria ajustar a idade mínima de forma flexível, considerando não apenas a expectativa de vida, mas também a saúde e as condições específicas de cada categoria profissional.
Entre as soluções sugeridas para mitigar os impactos do crescimento no número de aposentados longevos, Tecles propõe a criação de incentivos fiscais para empresas que contratem trabalhadores mais velhos, além de programas de requalificação profissional para aqueles com mais de 50 anos.
— Isso permitiria que os trabalhadores permanecessem ativos por mais tempo, sem depender exclusivamente da aposentadoria. Além disso, a criação de uma aposentadoria parcial, com a possibilidade de continuar trabalhando em meio período enquanto se recebe parte dos benefícios, poderia ajudar a aliviar a pressão sobre o sistema.
Unificação de regimes pode ser saída
Para Diego Cherulli, diretor do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário, o país caminha para uma convergência entre os regimes de Previdência (pública e privada).
— A maior parte dos países tem apenas um regime de Previdência Social, tanto para o setor público quanto para o privado. E essa é uma tendência que está se aproximando no Brasil. As regras de aposentadoria dos novos servidores, que estão limitados ao teto do INSS, são praticamente iguais às de trabalhadores de empresas privadas — diz Cherulli.
Segundo Cherulli, a unificação dos regimes previdenciários ainda enfrenta obstáculos significativos.
— Os caixas ainda não se unificaram porque isso traria um aumento do déficit do Regime Geral de Previdência Social. Por outro lado, isso tiraria a massa crescente de novos contribuintes, que são os antigos servidores.
Evolução social gerou aumento da longevidade
A doutora em Gerontologia Biomédica, professora Flávia Porto, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, elucida que grupo etário dos idosos representam cerca de 15% total da população brasileira, havendo mais quantidade de mulheres que homens nessa faixa etária.
— Além da quantidade de idosos ter aumentado nos últimos anos, um fenômeno que acompanha a realidade de outros países, a longevidade também vem aumentando, o que significa que as pessoas estão vivendo mais — diz Flávia Porto, completando: — Isso é um reflexo da melhoria de assistência à saúde, da evolução tecnológica nos tratamentos médicos e de assistência à saúde, de mais conscientização das pessoas acerca de um estilo de vida saudável, da ampliação de ações que foquem na promoção da saúde para melhoria da qualidade de vida, entre outros fatores.
Para ela, o fato de termos mais idosos na sociedade não pode ser visto como um problema, senão, culpabilizamos a pessoa por ela ser velha. Embora o aumento da longevidade ser considerado uma evolução em nossa sociedade, isso pode vir acompanhado de um aumento na demanda social e de assistência, explica:
— Dito isso, se mais pessoas estão alcançando o patamar da longevidade, elas deverão usufruir do sistema previdenciário. Isso pode significar uma pressão no setor por haver um desequilíbrio entre contribuintes ativos e inativos. E isso pode colapsar o sistema.
Segundo ela, as soluções devem surgir de estudiosos da área e que não considerem o idoso um problema porque, nesse caso, pode ter um efeito cruel e aumentar o preconceito de etarismo na sociedade levando as pessoas a considerarem que o idoso é alguém sem valor. A reforma estrutural deve ser planejada adequadamente, por isso, equipe técnica deve estar envolvida nessas transformações para que a mudança não se torne inviável ou perene.
Mudanças foram acumuladas na última década
A advogada especialista em previdência Cynthia Pena salienta que aposentados e pensionistas com mais de 65 anos têm o direito a uma maior faixa de isenção de Imposto de Renda. Ela ainda relembra as últimas mudanças previdenciárias ocorridas no país:
— Nos últimos anos, as reformas previdenciárias, como a Emenda Constitucional (EC) 103/2019, têm buscado adaptar o sistema a essa nova realidade. Uma das mudanças é a concessão de pensão por morte, que não é mais vitalícia em todos os casos para cônjuges e companheiros. Além disso, a EC 103/2019 trouxe modificações no cálculo das pensões, reduzindo o valor do benefício e aplicando redutores quando há acúmulo de aposentadoria com pensão por morte.
Diante desse cenário, Cynthia Pena reforça a importância de um planejamento previdenciário adequado para os servidores, especialmente aqueles que ainda estão na ativa. Segundo ela, esse planejamento é essencial para garantir o melhor benefício possível, já que as reformas recentes não trazem vantagens específicas para faixas etárias mais avançadas.
Execução do modelo previdenciário deve ser melhorada
Juliana Teixeira, advogada especialista em Direito Previdenciário do escritório João Tancredo, destaca as principais implicações desse aumento. Para ela, a sustentabilidade da previdência não deve ser vista apenas sob a ótica do tempo que os aposentados usufruem do benefício em comparação ao tempo de contribuição.
Segundo a especialista, o sistema previdenciário brasileiro é, em teoria, um bom modelo, mas sua execução precisa ser melhorada:
— Se a arrecadação atual não melhorar, as pessoas vão usufruir do benefício por mais tempo sem que o fundo seja reabastecido. Isso pode gerar problemas no futuro .
Governo não se manifestou
O governo federal foi indagado se já discute a necessidade de novas reformas previdenciárias, se considera um possível aumento da idade mínima para aposentadoria e se avalia mudanças nas regras de transição para servidores que estão próximos da aposentadoria.
No entanto, o Ministério da Previdência Social não retornou sobre nenhuma das demandas até o momento de publicação da reportagem.
Fonte: Extra / www.contec.org.br / Postado em 28 de outubro de 2024