11/06/2019
São Paulo — “Temos uma ousada estratégia de aquisições e estamos bem confiantes em que este ano ainda vamos anunciar mais operações.” A declaração do presidente e herdeiro da operadora de planos de saúde cearense Hapvida, Jorge Pinheiro de Lima, no começo de maio, sinalizava um ciclo de grandes negócios para a empresa.
A previsão está se confirmando. Depois de fechar a compra do Grupo São Francisco, um dos maiores conglomerados de saúde do interior paulista, em um negócio de R$ 5 bilhões, a Hapvida anunciou um acordo para a aquisição do rival Grupo América, de Goiás, por R$ 426 milhões. Embora seja dada como certa, o fechamento da operação está sujeito à aprovação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), além da aprovação por parte da assembleia-geral de acionistas da companhia.
Com a operação de quase R$ 500 milhões, o Sistema Hapvida passará a deter, indiretamente, 100% do capital votante das empresas Hospital Jardim América, Hospital Multi Especialidades, Jardim América Saúde, América Clínicas, AME Planos de Saúde, Promed Assistência Médica, Hospital Promed, Clínica de Oftalmologia Jardim América, Centro de Diagnóstico e Laboratório Santa Cecília e 47% do capital votante da empresa Saúde – Instituto de Análises Clínicas.
“A aquisição trará sinergias operacionais relevantes que serão aproveitadas pela companhia, além de expandir geograficamente seu perfil de atuação, intensificando esforços na Região Centro-Oeste do Brasil, em linha com a estratégia de expansão e crescimento da companhia de abrangência nacional”, disse Bruno Cals, diretor-superintendente financeiro e de relações com investidores do Hapvida. Já o presidente Jorge Pinheiro não concedeu entrevista por estar em período de silêncio.
Fundado em 1982, na cidade de Goiânia, o Grupo América tem intensa atuação no setor de saúde suplementar na Região Metropolitana de Goiânia e na cidade de Anápolis, atuando também na prestação de serviços hospitalares, de análises clínicas e diagnóstico por imagem. O Grupo América é a operadora mais verticalizada da região Centro-Oeste, com carteiras de planos de saúde de cerca de 190 mil vidas, cuja receita líquida foi de aproximadamente R$ 320 milhões, referente ao exercício social encerrado em 31 de dezembro de 2018.
A compra do Grupo América, embora seja menor, é complementar à aquisição do mês passado. Isso porque o Grupo São Francisco vem em ritmo forte de aquisições e deve seguir nesse patamar nas regiões em que já atua. A Hapvida estima que o negócio vá gerar sinergias na casa dos R$ 170 milhões ao ano nos próximos quatro anos.
Para financiar a operação, os executivos da empresa contaram que a Hapvida vai emitir, no mercado de capitais, debêntures de R$ 2 bilhões. Além disso, vai usar recursos em caixa, e o Grupo São Francisco ficou com ações da empresa. Após o negócio, a companhia ainda vai dispor de um caixa de R$ 500 milhões.
Desde o IPO (oferta pública inicial), em abril do ano passado, as ações da Hapvida subiram 25%. O valor de mercado da empresa, antes do anúncio da aquisição do Grupo América, chegava a R$ 23,5 bilhões. “As recentes aquisições integram um movimento de consolidação de empresas que já estão bem posicionadas no mercado. Para elas, não existe outro caminho para crescer se não for através de aquisições”, disse o economista Sérgio Melo, presidente da SM Consultoria.
Saúde financeira
O plano de expansão é sustentado por uma invejável saúde financeira. No quarto trimestre do ano passado, a empresa apresentou desempenho impressionante: lucro líquido de R$ 234,1 milhões, 35,1% acima do mesmo período de 2017. No ano, foi a R$ 788,3 milhões, o que representa aumento de 21,2% sobre o ano anterior.
O Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) cresceu 2,9%, no comparativo trimestral, para R$ 270 milhões. No acumulado de 2018, somou R$ 990 milhões, 11,1% superior ao ano anterior.
As recentes investidas da Hapvida confirmam um período de grande movimentação no ambiente de negócios do país. Há 20 dias, a fabricante brasileira de cosméticos Natura comprou a concorrente americana Avon, tornando-se, assim, a quarta maior empresa do setor no mundo. Há duas semanas, BRF e Marfrig confirmaram que estão em processo de fusão, o que faria do grupo resultante o segundo maior da área de proteínas do Brasil.
Levantamento divulgado na semana passada pela consultoria KPMG confirma que o mercado está aquecido. Segundo o estudo, o número total de fusões e aquisições manteve tendência de crescimento no primeiro trimestre de 2019. Nos três primeiros meses do ano, foram registradas 250 operações, contra 243 do trimestre imediatamente anterior (alta de 3%) e 234 registradas no mesmo período de 2018 (alta de 7%).
Os setores com o maior número de transações no começo do ano foram companhias de internet (53), tecnologia da informação (32), mídia e telecomunicações (13) e companhias de energia (13).
Longevidade das empresas de saúde
O processo de fusão de aquisição no setor de saúde pode ajudar as empresas a ganharem mais musculatura para enfrentar as turbulências no mercado de assistência médica privada. Desde 2015, mais de 3 milhões de pessoas perderam seus planos de saúde, de acordo com dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Isso é resultado de uma retração de cerca de 1,5 milhão de postos de trabalho.
“O plano de saúde é um produto altamente desejável, mas é sensível às variações de emprego e desemprego”, diz Marcos Novais, economista-chefe da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge).
A explicação é simples. Como a maior parte dos beneficiários tem seu convênio vinculado à empresa em que trabalha, quando as demissões crescem, os planos de saúde naturalmente perdem clientes. Segundo a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), os contratos coletivos empresariais correspondem a 67% do total de planos comercializados. A boa notícia é que, depois de três anos de queda, o número de beneficiários parou de cair no fim do ano passado.
Outra luz para as empresas do setor é a recente alteração da legislação, em vigor desde o início deste mês. As novas regras valem para portabilidade de planos de saúde, que permitem aos beneficiários de contratos coletivos empresariais a possibilidade de troca de operadora sem a necessidade de cumprir novo prazo de carência para utilizar os serviços médicos.
A determinação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) está na Resolução Normativa 438, que foi publicada em dezembro pela agência reguladora. Outra mudança é a extinção da “janela” para a troca de plano, ou seja, um prazo determinado pela operadora para fazer a mudança.
Migração
A ANS também retirou a necessidade de a cobertura entre os planos antigo e novo ser compatível para fazer a migração, abrindo a possibilidade para a contratação de coberturas mais amplas, mas mantendo a faixa de preço na maioria dos casos. Com isso, o consumidor só precisa cumprir a carência dos serviços a mais que o novo plano oferecer.
O guia de compatibilidade de preços está disponível no site da agência. Para o diretor de normas e habilitação dos produtos da ANS, Rogério Scarabel, a concessão desse benefício para consumidores de planos empresariais era uma demanda importante na regulação do setor, já que a modalidade representa quase 70% do mercado.
Fonte: www.correiobraziliense.com.br