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Mudanças no sono podem acusar o Alzheimer e ajudar em exame precoce

Processo começa antes do declínio cognitivo, segundo americanos. A descoberta pode ajudar na criação de um exame precoce para a doença

Silenciosa e sem pressa, a doença de Alzheimer começa a provocar alterações no cérebro até duas décadas antes que os sintomas característicos, como perda de memória e confusão, surjam. Muito antes que o declínio cognitivo se manifeste, o acúmulo da molécula beta-amioloide vai formando placas de gordura entre os neurônios. Mais tarde, ocorrem os emaranhados da proteína tau, o que provocará a atrofia de importantes regiões cerebrais. É nessa fase que a enfermidade, que afeta 35 milhões de pessoas de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), começa a ser diagnosticada.

Embora ainda não existam medicamentos que ajam diretamente no controle da patologia, especialistas entendem que há urgência em se buscar marcadores do Alzheimer antes que as substâncias acumuladas no cérebro provoquem o declínio cognitivo. Para fazer esse diagnóstico precoce, uma equipe de pesquisadores da Universidade de Washington aposta em um exame simples e não invasivo que, ao detectar alterações nos padrões de sono, prediz o risco da doença antes ou imediatamente depois de os primeiros sintomas se manifestarem. Os cientistas apresentaram o resultado de um teste com mais de 100 pessoas na revista Science Translational Medicine.

Brendan Lucey, professor de neurologia e diretor do Centro de Medicina do Sono da universidade americana, explica que a baixa qualidade do sono é uma característica do Alzheimer. Os pacientes costumam acordar cansados e, à noite, os sintomas pioram, dificultando ainda mais o descanso. A associação disso com a doença ainda é motivo de estudos. “Acredita-se atualmente que a relação seja de duas vias. Primeiro, distúrbios no sono podem aumentar o risco de se desenvolver o Alzheimer Segundo, mudanças na atividade sono/ vigília podem ser devido à patologia da doença. Nosso artigo se foca nesse aspecto da relação”, conta.

De acordo com Lucey, o estudo mostrou que idosos com menor registro de ondas lentas, uma atividade do sono profundo necessária para a consolidação das memórias e para se acordar bem-disposto, têm níveis maiores da proteína tau no cérebro. Em excesso, essa substância destrói os neurônios e causa emaranhados de tecidos danificados entre importantes regiões cerebrais. “Vimos essa relação em pessoas que eram normais do ponto de vista cognitivo ou com alterações muito suaves. Isso significa que uma atividade de ondas lentas reduzida pode ser o marcador da transição entre a cognição normal e a alterada”, diz a também autora do estudo Gretchen P. Jones, diretora do Departamento de Neurologia da Universidade de Washington. “Medir a atividade do sono de forma não invasiva pode ser uma nova forma de rastrear a doença antes ou logo depois de as pessoas desenvolverem problemas de memória e pensamento”, afirma.

Monitoramento
Para entender a relação entre a beta-amiloide, a proteína tau e o sono, os pesquisadores estudaram 119 pessoas com mais de 60 anos. Oitenta por cento delas eram normais do ponto de vista cognitivo, e o restante apresentava alterações ainda muito discretas. Os participantes receberam um aparelho portátil de eletroencefalografia (EEG), que mede as ondas cerebrais. À noite, colocavam o equipamento sobre a testa. Também usaram um sensor no formato de relógio de pulso para rastrear o movimento do corpo. Além disso, mantiveram um diário do sono, onde faziam anotações das sessões noturnas e dos cochilos diurnos. Cada participante produziu pelo menos duas noites de dados; alguns chegaram a seis.

Os pesquisadores também mediram os níveis de beta-amiloide e tau no cérebro dos voluntários, por meio do exame de imagens PET scan, e no líquido cefalorraquidiano, fluido que banha o cérebro e a medula espinhal. Trinta e oito pessoas foram submetidas ao PET scan para as duas proteínas e 104 passaram por punções lombares para retirada do líquido cefalorraquidiano. Vinte e sete participantes fizeram as duas coisas. Depois de controlar fatores como sexo, idade e movimentos durante o sono, os pesquisadores descobriram que a diminuição da atividade das ondas lentas coincidia com altos níveis de tau no cérebro e uma maior relação tau-amiloide no líquido cefalorraquidiano.

“O resultado-chave não foi a quantidade total de sono associada à tau, mas a atividade das ondas lentas, que reflete a qualidade do sono”, diz Lucey. “As pessoas com essa proteína aumentada estavam realmente dormindo mais à noite e cochilando mais durante o dia, mas não estavam tendo sono de boa qualidade”, explica. De acordo com ele, se pesquisas futuras confirmarem as descobertas, o monitoramento do sono pode ser uma maneira fácil e acessível de rastrear precocemente a doença de Alzheimer. “Cochilar durante o dia teve uma forte associação aos altos níveis de tau, o que significa que fazer uma pergunta simples ‘Quanto você cochila durante o dia?’ pode ajudar os médicos a identificar pessoas que poderiam se beneficiar de testes adicionais”, sustenta Gretchen P. Jones.

“Eu não espero que o monitoramento do sono substitua as varreduras cerebrais ou a análise do líquido cefalorraquidiano para identificar os primeiros sinais da doença de Alzheimer, mas é uma ferramenta que pode complementá-los”, afirma Lucey. “É algo que pode ser facilmente adotado ao longo do tempo, e se os hábitos de sono de uma pessoa começarem a mudar, pode ser um sinal para o médico dar uma olhada no que pode estar acontecendo no cérebro dela”, conclui.

Se os hábitos de sono de uma pessoa começarem a mudar, pode ser um sinal para o médico dar uma olhada no que pode estar acontecendo no cérebro dela”
Brendan Lucey, pesquisador da Universidade de Washington

Palavra de especialista

Atenção à apneia

“Sono de qualidade está entre as recomendações da prevenção e do tratamento da doença de Alzheimer. O que dá alterações no sono? Dormir poucas horas, abusar de medicamentos para dormir e uma das coisas mais importantes, a apneia do sono, que acomete 15% da nossa população. É uma epidemia mundial, que precisa ser combatida com urgência. Para as pessoas que têm apneia é mais um argumento para o controle. Já sabemos de pessoas que têm apneia grave e que estão desenvolvendo demência com mais facilidade. Os mecanismos pelos quais isso acontece ainda não são claros. Nesse sentido, o estudo da Universidade de Washington vem corroborar esse raciocínio de que pessoas com apneia grave não tratada estão em risco maior para a doença de Alzheimer.”

» Otávio Castello, geriatra e presidente da regional DF da Associação Brasileira de Alzheimer (Abraz-DF)

Fonte: www.correiobraziliense.com.br / postado em 10/01/2019

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