Mulheres com deficiência sofrem até sete vezes mais violência que homens PCDs. Os dados são do Atlas da Violência 2024 e revelam que enquanto 3.064 mulheres foram abusadas sexualmente em 2022, o número no caso de homens com deficiência foi de 442 ocorrências. A diferença, no entanto, não se restringe apenas a violência sexual. Segundo o Atlas, as mulheres são as mais afetadas em todos os grupos de deficiência. Sendo que as mulheres com deficiência intelectual, por exemplo, enfrentam taxas que ultrapassam mais que o dobro a dos homens na mesma condição. No caso de violência doméstica, as mulheres tiveram um registro 2,6 vezes maior do que os homens.
O estudo avalia que para as mulheres com deficiência existem especificidades como isolamento social, dependência de cuidadores e a incapacidade de se defender fisicamente, que contribuem para o maior risco a violência. Atualmente, o Brasil tem cerca de 18,6 milhões de pessoas com dois anos ou mais com alguma deficiência, o que representa 8,9% da população, segundo a PNADc (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) de 2022.
Para a professora da Universidade Federal do Ceará e advogada da BMC Advogados Associados Joyceane Bezerra de Menezes, a legislação oferece um suporte necessário à proteção das pessoas com deficiência, mas “falta capacitação profissional e fiscalização da sua aplicação”.
“Há uma interseccionalidade de fatores de vulneração atingindo a mulher com deficiência. A limitação permanente, seja ela de natureza física, intelectual ou psíquica somada às barreiras sociais gera impedimentos graves ao exercício dos direitos, o que implica a maior suscetibilidade a lesão e, portanto, maior vulnerabilidade” (PROFESSORA DA UFC, JOYCEANE BEZERRA DE MENEZES)
A professora acrescenta que o gênero é um fator de vulnerabilidade. Ou seja, ser mulher e ter deficiência potencializa o risco de sofrer violência. “Elas estão sujeitas as variadas formas de discriminação e opressão decorrentes do sexismo, capacitismo e violência de gênero que, uma vez sobrepostas, potencializam o estado de vulneração”, diz.
Joyceane explica que a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº13.146/2015) impõe ao Estado e à sociedade o dever de proteger a pessoa com deficiência de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, tortura, crueldade, opressão e tratamento desumano ou degradante e que a norma “considera especialmente vulneráveis, as crianças, os adolescentes, as mulheres e as pessoas idosas”.
Violência dentro de casa
A violência é mais difícil de deter quando as agressões são cometidas pelos próprios cuidadores e familiares. Segundo o Atlas, a violência doméstica lidera o número de notificações, com 8,3 mil registros. A tipificação é seguida pela violência comunitária (3.481), enquanto a violência institucional foi responsável por 458 notificações em 2022. Nos dados, as pessoas com deficiência física (65,4%) e visual (63%) registraram o maior percentual de violência doméstica, em relação aos demais tipos de violência.
A professora da Universidade do Ceará acrescenta que “falta a inclusão efetiva e a garantia da acessibilidade a todos os direitos, em igualdade de condições com as demais pessoas”.
Não é raro que a própria família esteja imersa em uma postura capacitista que descrê na possibilidade de favorecer uma educação para a cidadania e autodefesa, mantendo essas pessoas como mero objeto de proteção. Nesse sentido, é importante o apoio às famílias para que possam reconfigurar a percepção da deficiência. De todo modo, a fundamental o aprimoramento da legislação e capacitação profissional para proteção das pessoas com deficiência contra a violência e discriminação”, disse.
Lacunas nas políticas públicas
Professor da Escola Superior de Advocacia do DF e mestre em direito empresarial e governança Watson Silva observa que a discussão sobre os direitos das pessoas com deficiência e as políticas públicas revelam importantes avanços, “mas também inúmeras lacunas que precisam ser preenchidas para garantir uma sociedade verdadeiramente inclusiva e equitativa”.
O especialista observa, por exemplo, que a acessibilidade costuma ser um desafio. “Seja a acessibilidade física, comunicacional ou digital. Muitos espaços públicos e privados ainda não estão adequadamente adaptados para receber pessoas com deficiência. É necessário um investimento contínuo em infraestrutura acessível, bem como na sensibilização de gestores públicos e privados sobre a importância de ambientes inclusivos”, diz.
Outro ponto levantado pelo especialista é que falta inclusão no mercado de trabalho.
“A Lei de Cotas (Lei nº 8.213/1991) estabelece a obrigatoriedade de contratação de pessoas com deficiência, mas a realidade mostra que muitas empresas ainda não cumprem essa determinação de forma efetiva. Programas de capacitação profissional e incentivos para a contratação de pessoas com deficiência são essenciais para promover a inclusão no mercado de trabalho” (PROFESSOR DA ESCOLA SUPERIOR DE ADVOCACIA DO DF, WATSON SILVA).
O Atlas da Violência mostra, por exemplo, que a autonomia é um fator de prevenção contra a violência contra PCDs. Por isso, mulheres com maior escolaridade conseguem se defender melhor, assim como quem está inserido em movimentos associativos de pessoas com deficiência e tem emprego remunerado fora de casa. A pesquisa observa que, por outro lado, o recebimento de benefícios financeiros do governo pode representar um fator de risco para a violência doméstica e sexual para essas mulheres, porque os agressores muitas vezes controlam os recursos econômicos de suas parceiras
Participação
Para Silva, as pessoas com deficiência também devem ter a oportunidade de participar da elaboração e avaliação das políticas pública que os atendem. “Isso inclui a criação de conselhos, comitês e outras formas de participação que assegurem a representatividade e a voz das pessoas com deficiência nas decisões que afetam suas vidas”.
O especialista afirma que, “embora o Brasil tenha avançado significativamente na proteção e promoção dos direitos das pessoas com deficiência, há ainda um longo caminho a ser percorrido”.
“É imprescindível que o poder público, a sociedade civil e o setor privado trabalhem juntos para eliminar barreiras e construir um país mais justo e inclusivo para todos. O compromisso com a efetividade das leis, a acessibilidade, a educação, a inserção no mercado de trabalho, a saúde, a segurança e a participação social deve ser contínuo e robusto para garantir que as pessoas com deficiência possam exercer plenamente seus direitos e viver com dignidade”. (PROFESSOR DA ESCOLA SUPERIOR DE ADVOCACIA DO DF, WATSON SILVA)
O que dizem os dados
Segundo o Atlas, as pessoas com deficiência sofrem diversas violências ao longo da vida, “incluindo tipos específicos relacionados à deficiência e ao gênero, como retenção de medicamentos, o excesso de medicação e a negligência das necessidades básicas diárias, como higiene pessoal e cuidados médicos e violência sexual”.
De acordo com o estudo, a desigualdade é o principal motivo de violência. “Processos como institucionalização, segregação, estigmatização, preconceito e discriminação, que culminam em exclusão social, permeiam as experiências de opressão e violência direcionadas a esse grupo. Além disso, a interseccionalidade da deficiência com outras características sociais, como gênero, raça/etnia, idade e classe social, amplifica a vulnerabilidade de certos indivíduos dentro dessa população”, diz.
A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência determina que casos suspeitos ou de confirmação de violência contra PCDs devem ser notificados de forma compulsória pelos serviços de saúde público e privado à autoridade policial, ao Ministério Público e aos Conselhos dos Direitos de Pessoa com Deficiência.
As estatísticas mais alarmantes de violência notificada estão ligadas às pessoas com deficiência intelectual. Os dados revelam que a taxa de violência contra esse grupo é de 36,9 por cada 10 mil indivíduos com deficiência, enquanto para aqueles com deficiência física é de 12 para cada 10 mil e para os com deficiência auditiva é de 3,8 (para cada 10 mil) e para os com deficiência visual é de 1,5 (para cada 10 mil).
Em relação ao tipo de deficiência, o transtorno mental é que o tem o maior número de vítimas, com 3.662 notificações, seguidas por pessoas com deficiências múltiplas (1.425) e física (1.403).
Violência física
A violência mais relatada, conforme o levantamento, foi a violência física (55,3% dos registros). Em seguida, está a violência psicológica, com 31,7% do total de notificações, seguida pela violência sexual, com 23%. Em relação à idade, as pessoas entre 10 a 19 anos são as maiores vítimas, com 21,3% do percentual de registros, depois vem a faixa etária de 20 a 29 anos (15,8%); 30 a 39 anos (14,7%), 40 e 49 anos (13,9%), 0 a 9 anos (7,9%) e acima de 80 anos (4,4%).
Os homens tiveram maior número de registros (34,6%) apenas nas notificações de abandono e negligência dos responsáveis.
Fonte: www.noticias.r7.com / Postado em 05/07/2024 – 02H28 (ATUALIZADO EM 05/07/2024 – 02H28)