Um estudo feito por cientistas britânicos mostra que pessoas negras têm duas vezes mais risco de contrair o Sars-CoV-2, em comparação com as brancas. Os dados foram apresentados na última edição da revista científica on-line EClinical Medicine e obtidos após uma metanálise de mais de mil artigos científicos conduzidos durante a pandemia. No trabalho, os pesquisadores também mostram que pessoas de origem asiática e latina têm 1,5 vez mais risco de serem infectadas, comparadas à população branca.
A equipe analisou 50 pesquisas, que resultaram em 1.800 artigos e nos dados de mais de 18 milhões de pessoas do Reino Unido e dos Estados Unidos. Todos os trabalhos foram publicados entre 1º de dezembro de 2019 e 31 de agosto de 2020, em periódicos revisados por pares ou como pré-impressão (à espera de revisão por especialistas). “Todos os pacientes incluídos nos estudos usados foram diagnosticados com exames de PCR e passaram por análises radiológicas e laboratoriais”, detalham, no novo artigo.
As análises matemáticas mostraram maior vulnerabilidade nos grupos étnicos e que os asiáticos correm maior risco de serem admitidos em uma unidade de terapia intensiva (UTI) e de morrerem. “No entanto, todos os estudos com dados de admissão na UTI incluídos na nossa metanálise ainda não foram revisados por pares, assim como os dados relativos aos latinos. Além disso, o risco de óbito que calculamos não foi tão expressivo estatisticamente”, relatam.
Para os pesquisadores, os riscos mais altos de sofrer com a covid-19 em negros e asiáticos podem ter diversas justificativas. “Existem muitas explicações sobre o motivo pelo qual pode haver um nível elevado de infecção por covid-19 em grupos étnicos minoritários, incluindo a maior probabilidade de viverem em famílias maiores, compostas por várias gerações, e de ter um status socioeconômico mais baixo, o que pode aumentar a possibilidade de fazer parte de famílias superlotadas. Outra justificativa é ter um emprego com funções de linha de frente, em que trabalhar em casa não é uma opção”, declara, em comunicado, Manish Pareek, professor e pesquisador de doenças infecciosas na Universidade de Leicester e um dos autores do trabalho.
Políticas públicas
A equipe defende que os dados sejam levados em consideração em campanhas de combate ao novo coronavírus. “A evidência clara do risco aumentado de infecção entre grupos étnicos minoritários é de importância urgente para a saúde pública. Nós devemos trabalhar para minimizar a exposição ao vírus nesses grupos de risco, facilitando o acesso a recursos de saúde, além de nos aprofundar nas disparidades sociais e estruturais que contribuem para as desigualdades em saúde”, defende Shirley Sze, professora da Universidade de Leicester e principal autora do artigo.
Os pesquisadores destacam que o trabalho precisa ter desdobramentos, dando foco especial aos casos graves de covid-19. “Agora que já sabemos que essas etnias são as mais infectadas, os trabalhos futuros devem tentar ajustar o risco de infecção levando em consideração também a admissão em UTI e a morte de pacientes com covid-19. Assim, poderemos avaliar esse tema com uma precisão ainda maior”, justifica Daniel Pan, pesquisador de Leicester e também autor do estudo.
Werciley Júnior, infectologista e chefe da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, destaca que outros pesquisadores têm notado que há grupos étnicos mais atingidos pela pandemia e destaca que essa diferença também pode estar relacionada à genética. “Existem teorias de que pessoas de determinada etnia podem ter uma quantidade maior da proteína ECA2, usada pelo vírus Sars-CoV-2 para entrar no organismo humano. Essa característica deve estar relacionada a diferenças de DNA em pessoas negras e asiáticas, mas é tudo uma suposição ainda”, explica.
O especialista destaca que os fatores sociais também precisam ser considerados. “Sabemos que a população negra sofre mais, vive em áreas carentes, em que os recursos para se proteger são poucos. Nesse caso, chamamos esses elementos de fatores ambientais, que também têm papel importante na questão da maior infecção”, diz. Para o médico, apenas análises mais detalhadas ajudarão a entender melhor as diferenças apontadas no estudo britânico. “As metanálises nos ajudam a determinar os focos que precisamos dar mais atenção, quais os grupos estão em maior risco, mas só conseguiremos determinar as causas exatas com um estudo mais apurado, que envolva uma análise ampla de todos os fatores.”
Mutação ajuda a disseminação
O Sars-CoV-2 sofreu alteração em sua estrutura genética. A mudança, chamada D614G, foi observada quando o vírus começou a se dissipar com mais força. Agora, cientistas mostram que os fenômenos estão relacionados. Em experimento com ratos e com células humanas, eles observaram que a cepa com D614G apresentou maior transmissibilidade, mas não teve intensificada a capacidade de comprometer o corpo humano.
Nos testes, observou-se que o coronavírus com D614G infectou com mais rapidez células epiteliais das vias aéreas superiores humanas. Também infectou mais rapidamente os tecidos respiratórios de ratos. Os cientistas também expuseram o vírus com a mutação a anticorpos e observaram que o poder de combate das moléculas foi igual ao que ocorre com o Sars-CoV-2 que não tem a alteração. “Isso sugere um impacto marginal nos resultados da doença, ou seja, a D614G não aumenta significativamente a patogênese do vírus no organismo, apenas a sua capacidade de transmitir a enfermidade”, detalham os autores do estudo, liderado por Yixuan J. Hou, da Universidade Chappel Hill, da Carolina do Norte.
A equipe enfatiza que os resultados não interferem no desenvolvimento de imunizantes para a covid-19. “Esses dados sugerem que as estratégias usadas até agora para o desenvolvimento de vacinas terão efeito satisfatório contra a cepa com a mutação D614G”, afirmam os autores no artigo, publicado na revista Science.
Alérgicos não são mais vulneráveis
No início da pandemia, pessoas com problemas respiratórios foram apontadas como um dos principais grupos de risco devido aos graves danos provocados pelo novo coronavírus nos pulmões. Pesquisadores americanos analisaram prontuários médicos de pacientes com alergia e asma infectados pelo Sars-CoV-2 e constataram que eles não apresentam as formas mais graves da doença. As descobertas foram divulgadas ontem, no Congresso Anual do Colégio Americano de Asma e Imunologia (ACAAI, em inglês).
A equipe avaliou dados de infectados pelo coronavírus atendidos em dois hospitais americanos. “Em um universo de 3.485 pacientes, examinamos todos os prontuários e encontramos 275 internados com covid-19 que apresentavam histórico de qualquer doença alérgica”, detalha, em comunicado, o alergista Dylan Timberlake, membro da ACAAI e principal autor do estudo.
Os fatores considerados para determinar a gravidade da doença incluíram admissão na UTI, tempo de internação, necessidade de oxigênio suplementar e taxa de intubação. Em relação à UTI, por exemplo, 43% daqueles com doença alérgica foram admitidos, versus 45% dos que não tinham. Dos alérgicos, 79% precisaram de oxigênio suplementar, contra 74% do outro grupo. “Quando se trata de covid -19, ao observar os resultados para pacientes com base em doenças alérgicas, como rinite alérgica, asma, eczema e alergia alimentar, não encontramos distinções significativas no número de intervenções necessárias para aqueles com alergia em relação aos sem”, afirma o alergista Mitchell Grayson, membro da ACAAI e coautor do estudo.
Asma
Pedro Francisco Giavina Bianchi Junior, membro do Departamento Científico de Asma da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI), destaca que os dados mostram o que muitos médicos têm observado nos hospitais. “Era de se esperar que pessoas com problemas respiratórios tivessem mais danos gerados pela covid-19, não parecia uma boa combinação. Felizmente, até agora, temos poucos casos de pessoas asmáticas internadas”, relata.
Para o médico, essa relação pode ter explicação numa característica importante da asma. “Há dois tipos de asma, a alérgica e a não alérgica. Na primeira, temos a diminuição das proteínas ACE2, que são as usadas pelo vírus da covid-19 para entrar no corpo. Essa pode ser a explicação para não termos casos graves de coronavírus nesse grupo”, explica. (VS)
Fonte: www.correiobraziliense.com.br / postado em 13/11/2020 06:00