Kaley Karaffa tinha acabado de completar 28 anos quando começou a se aprofundar a realidade de ter um sistema imunológico enfraquecido como uma paciente com câncer. Algumas semanas antes, em um exame médico anual, ela manifestara ao seu médico a preocupação com o aumento dos gânglios linfáticos perto da clavícula. Os resultados mostraram que Karaffa tinha um tipo de linfoma de células B, câncer que afeta os glóbulos brancos, indispensáveis para combater infecções.
“Tive de ter cuidado com as pessoas que eu encontrava, com as atividades de que participava e até com o tipo de alimento que comia”, contou ela, que agora tem 38 anos. Mesmo uma ameaça aparentemente menor, como um resfriado comum, pode desencadear uma doença grave em alguém com o sistema imunológico comprometido. Para Karaffa, adoecer também significava ter de interromper o ensaio clínico de que participava para receber o tratamento contra o câncer.
A pandemia de Covid fez com que muita gente se familiarizasse com o termo “imunocomprometido”. Mas, embora as mensagens de saúde pública em torno da Covid, da temporada de gripe ou até mesmo de surtos de doenças transmitidas por alimentos possam fazer com que os imunocomprometidos pareçam um grupo homogêneo, com as mesmas condições e o mesmo risco elevado de adoecer, há um espectro amplo de vulnerabilidade.
E, ao que tudo indica, esse número está aumentando. Um estudo publicado este ano sugere que cerca de 7% dos adultos dos Estados Unidos – aproximadamente 18 milhões de pessoas – têm o sistema imunológico suprimido de alguma maneira, em comparação com 3% em 2013. Os pesquisadores têm teorias diferentes para explicar o aumento da imunossupressão. Alguns acreditam que pode ser causada por uma maior incidência de doenças autoimunes; outros culpam as taxas crescentes de câncer e de doenças crônicas que exigem um tratamento imunossupressor e o uso mais amplo de medicamentos que podem afetar o sistema imunológico.
“Não se trata mais de um grupo de nicho. São pessoas da comunidade que talvez nem saibam que estão imunocomprometidas”, disse Joshua Hill, especialista que trata doenças infecciosas em pacientes imunocomprometidos com câncer no Centro Oncológico Fred Hutch, em Seattle.
O que faz com que uma pessoa seja imunocomprometida?
Os especialistas costumam comparar o sistema imunológico a um exército que combate os inimigos externos, como os vírus e as bactérias, e os internos, como as células cancerígenas. Mas algumas pessoas têm um exército imunológico que não funciona como deveria, porque nasceram assim ou por causa de alguma coisa que ocorreu depois.
Os pesquisadores identificaram mais de 430 imunodeficiências primárias, condições raras causadas por variantes genéticas que enfraquecem o sistema imunológico. Algumas podem ser detectadas por testes de rotina em recém-nascidos ou outros exames de sangue feitos logo depois do nascimento.
As pessoas que têm uma imunodeficiência grave às vezes precisam de transplante de medula óssea, que basicamente substitui seu sistema imunológico por um novo, proveniente de um doador. A natureza da doença e o tratamento fazem com que elas geralmente estejam entre as mais imunodeprimidas, afirmou Paibel Aguayo-Hiraldo, diretora médica de transplantes e terapia celular do Hospital Infantil de Los Angeles: “A maioria dos nossos pacientes jovens é educada em casa. Precisa se isolar e tentar prevenir infecções, limitar quem visita sua casa e tomar outras precauções. Durante no mínimo um ano depois de um transplante de medula óssea, deve viver em uma bolha, porque qualquer infecção pode ser fatal”.
Ela acrescentou: “Aqueles que desenvolvem certos tipos de câncer no sangue ou nas células imunológicas, como a leucemia, o linfoma ou o mieloma, também são considerados gravemente imunocomprometidos, porque a doença e o tratamento destroem o sistema imunológico”. Da mesma maneira, quem recebe um transplante de órgão precisa tomar medicamentos imunossupressores para que o corpo não o rejeite. Isso também dificulta o combate a infecções.
Os cânceres de mama, próstata, pulmão e cólon não necessariamente enfraquecem o sistema imunológico. Mas, segundo Hill, alguns dos tratamentos para a doença podem reduzir o número de células imunológicas no sangue.
Certas condições crônicas, como a esclerose múltipla, o lúpus, a artrite reumatoide e a aids, também podem deixar as pessoas ligeiramente imunocomprometidas. De acordo com Carl Fichtenbaum, professor de doenças infecciosas da Universidade de Cincinnati, de modo geral essas condições são causadas por um sistema imunológico hiperativo que começa a danificar as células do próprio corpo, deixando-o menos capaz de combater patógenos verdadeiros.
Algumas dessas doenças são tratadas com doses altas de esteroides, que reduzem a inflamação, mas podem enfraquecer o sistema imunológico se usados durante muito tempo. Outras são controladas com medicamentos biológicos direcionados a vias específicas da doença, que podem afetar o sistema imunológico indiretamente.
O envelhecimento natural também pode enfraquecer o sistema imunológico. À medida que envelhece, o ser humano tende a produzir menos anticorpos para combater os patógenos, de modo que os meios de defesa podem agir mais lentamente, disse Fichtenbaum.
Como as defesas do corpo são afetadas?
Dependendo da razão pela qual uma pessoa é imunocomprometida, partes diferentes do exército imunológico podem ficar temporária ou permanentemente fora de serviço.
Adriano Ortiz, de 9 anos, nasceu com anemia de Fanconi, doença genética rara que o predispôs ao estado de imunodeficiência. Suas células T, que identificam e atacam patógenos, e as células B, que lembram o corpo de como ele lidou com infecções passadas, não funcionavam corretamente. Depois de um transplante de medula óssea, em 2019, Ortiz precisou ficar no hospital durante mais de um ano até que estivesse curado e pudesse evitar infecções. Mesmo depois disso, precisou voltar ao hospital todas as vezes que ficou doente nos anos seguintes. “Sempre que ele adoecia, eu me preparava mentalmente para passar no mínimo dois dias no hospital”, contou sua mãe, Eliana Ortiz.
Fichtenbaum informou que os medicamentos biológicos, como os que são tomados por aqueles que sofrem de artrite reumatoide, bloqueiam só algumas partes específicas do sistema imunológico. Alguns podem tornar os pacientes suscetíveis a certos tipos de infecções respiratórias, enquanto outros podem aumentar o risco de infecções gastrointestinais ou de pele.
Além disso, muitas pessoas imunodeprimidas são incapazes de gerar uma resposta imunológica forte às vacinas. Se a vacinação produz cem anticorpos “soldados”, prontos para lutar contra a Covid ou a gripe em um indivíduo saudável, esse número pode cair para 50 em uma pessoa imunocomprometida, explicou Ziyad Al-Aly, chefe de pesquisa e desenvolvimento do Sistema de Saúde de Assuntos dos Veteranos de Saint Louis.
Ele acrescentou que os dados das vacinas contra a Covid sugerem que a proteção dos anticorpos também tende a diminuir mais rapidamente em pessoas imunocomprometidas do que em indivíduos saudáveis. “Talvez precisem de uma dose de reforço a cada seis meses, enquanto a maioria de nós pode ficar bem com uma dose por ano.”
O sistema imunológico se recupera em algum momento?
Felizmente, ele pode se recuperar de muitos tipos de danos. Uma vez que a pessoa termina a quimioterapia e atinge a remissão do câncer ou consegue parar de tomar os medicamentos biológicos ou os esteroides, o sistema imunológico pode se restabelecer em algumas semanas ou meses.
Se a causa subjacente da imunossupressão for uma doença como a aids, a terapia antirretroviral pode ajudar a restaurar a função imunológica, controlando o vírus e dando tempo ao corpo para que ele volte a produzir células imunológicas saudáveis. De acordo com Aguayo-Hiraldo, a pessoa tem um sistema imunológico gravemente enfraquecido pode levar meses ou até anos para que o transplante de medula óssea ou de células-tronco o reconstrua. E alguns indivíduos com uma imunodeficiência genética ou um distúrbio autoimune grave podem precisar de tratamento contínuo para controlar a doença e manter os patógenos sob controle.
Hill disse que mesmo os indivíduos cujo sistema imunológico se recuperou parcialmente podem ter níveis diferentes de tolerância pessoal à exposição a uma possível infecção.
Quando Karaffa terminou o tratamento contra o câncer, fez exames de sangue a cada poucos meses para verificar como seu sistema imunológico estava se recuperando. Com o tempo, retomou as viagens e o trabalho voluntário, mas ainda leva para todos os lugares um desinfetante para as mãos e coloca uma máscara sempre que alguém espirra perto dela. “Agora estou muito mais consciente dos riscos de adoecer do que antes.”
Fonte: www.noticias.r7.com / Publicado em 22/10/2024 – 02h00