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Pesquisadores brasileiros descobrem soro que combate veneno de abelhas

Soro antiapílico foi descoberto pela Unesp em parceria com Instituto Vital Brazil. Conheça a história da primeira pessoa curada pela substância.

Quem é picado por cobra, sabe que tem que correr para o hospital, pois o soro antiofídico pode salvar uma vida. Se alguém sofre acidente com aranha, escorpião também há medicamentos para cortar o veneno, mas e se for picado por abelhas? Agora existe soro para isso e é uma criação brasileira, da Unesp (Universidade Estadual Paulista) em parceria com o Instituto Vital Brazil. O produto ainda está em fase de testes, mas já com ótimos resultados.

No Brasil, acontecem milhares acidentes com abelhas, todo ano, como aconteceu com a Camila Presoto em agosto de 2016. Ela e o marido tentavam resgatar uma vaga que estava caída em uma ribanceira, quando um enorme enxame se desprendeu de um tronco e impediu o resgate. As abelhas atacaram a Camila. “Foram em torno de 400 a 600 picadas. Sendo 80% nja cabeça. Eu imaginei mesmo que ia morrer”, conta Camila.

Camila mora na cidade de Avaré, oeste do Estado de São Paulo, onde trabalha como professora. Mas, na época do acidente, vivia numa fazenda de produção de leite. “Fiquei bem feformada, com dor muscular, inchaço, mancha, me falaram que eu estava com insufici~encia renal”, lembra Camila.

Talvez a Camila não tivesse sobrevivido caso não houvesse sido transferida de Avaré para Botucatu, onde fica a Faculdade de Medicina da Unesp. A faculdade já estava com o soro antiapílico desenvolvido, mas o medicamento inédito nunca tinha sido aplicado em ninguém.

O soro antiapílico se refere a “apis”, que vem do latim, significa abelha. Não está à venda. É de uso exclusivo em pesquisa, só em dois lugares do país: a UPECLIN – Unidade de Pesquisa Clínica da Faculdade de Medicina de Botucatu; e o Hospital Nossa Senhora da Conceição da UNISUL, Universidade do Sul, em Tubarão, Santa Catarina.

Ela conta como aceitou ser cobaia. “Querendo ou não, os remédios que a gente toma para dor de cabeça, teve uma pessoa que experimentou”, fala Camila.

O soro antiapílico é colocado na bolsa de soro fisiológico e, gota a gota, vai sendo infundido lentamente. A quantidade depende do número de picadas.

Outra pessoa que recebeu o soro antiapílico foi o cabo Maurício Lofiego, da Primeira Companhia da Polícia Militar em Botucatu.

Maurício descreve que o meliante embrenhou-se no mato. Ao conduzir o mesmo de volta à viatura, eis que foram atacados por um enxame de abelhas. A sorte do policial foi ter sido levado rapidamente ao posto que fazia o ensaio clínico com o soro. “Eles apresentaram um estudo que estava sendo desenvolvido, que era o soro de abelha e se eu queria fazer parte desse estudo. Não tive sequela”, conta Maurício.

Quem fornece o veneno para a produção do soro antiapílico é o próprio Setor de Apicultura da Unesp de Botucatu, coordenador pelo professor Ricardo Orsi. Não é uma colheita abundante. A extração em dez mil abelhas proporciona apenas um grama de veneno em pó. A técnica de colheita é antiga. Baseada em choque elétrico.

Usa-se uma placa de acrílico com arame ligado a uma bateria. A abelha não morre. “A gente se preocupa com o bem-estar animal, então a gente se preocupa em fazer uma colheita de forma adequada para que a gente não leve um prejuízo para o desenvolvimento do enxame como um todo”, explica Orsi.

O que muita gente não sabe é que quando a abelha pica um animal ou uma pessoa, a ela perde o ferrão, que crava na pele. Ao levantar voo, fica retida a pontinha do corpo onde está inclusive a bolsa de veneno, que fica pulsando, liberando pequenas gotas tóxicas.

No coletor, não acontece isso, não tem superfície para cravar o ferrão. Ao sentir um pequeno choque, a abelha identifica o objeto como um inimigo a ser eliminado. Ferroa, mas só libera o veneno. O veneno já solidificado é, então, raspado e recolhido a um pequeno tubo. Depois vai para purificação e processamento nos laboratórios do Cevap (Centro de Estudos de Animais Peçonhentos da Unesp).

A importância dos equinos na fabricação do soro

Para mostrar como se faz o soro, de Botucatu, o Globo Rural foi para um haras de Cachoeiras de Macacu, norte do Rio de Janeiro. No local fica a criação de cavalos do Instituto Vital Brazil, uma das 21 instituições brasileiras que produzem soros e vacinas.

A tropa de produção de soro do Instituto Vital Brazil recebe uma alimentação reforçada, equivalente a dos animais de trabalho. Oito quilos de capim picado por dia, mais quatro quilos de ração, sal mineral, pasto à vontade, além de música clássica. É quase um convite à meditação embalado por bufos e compassados movimentos de mandíbulas. A tropa recebe lida gentil. Nada chicote, ferrão, gritaria.

Da tropa sai material para a produção de soros contra cinco tipos de picadas de cobra; aranha, escorpião e abelha. O veneno trabalhado nos laboratórios da Unesp, chega pronto para ser injetado em sessões esparsadas ao longo de uma semana. Cada animal recebe, ao todo, meio litro. O equivalente às picadas de cinco mil abelhas, mas não é o veneno bruto.

“Um dos desafios tecnológicos desse soro foi a retirada da fração tóxica que gerava dor e alergia nos cavalos”, fala o veterinário Marcelo Strauch.

O veterinário Marcelo Strauch, que coordenou a parceria entre o Vital Brazil e a Unesp, lembra antes, o cavalo ficava prostrado de dor no chão de dor. Mas isso não acontece mais. O cavalo não sente como se estivesse sendo picado por uma abelha. Assim, o animal passa sem problemas a quarentena de produção de anticorpos, as imunoglobulinas que vão bloquear e neutralizar o veneno.

O Globo Rural acompanhou a sangria do cavalo identificado como 375. Funciona como uma doação. Patrícia Castanheira, responsável pelo setor de imunização, informa que o animal em produção de anticorpos passa por quatro sessões de doação. Em cada uma, tiram dele uma bolsa de sangue, com cerca de oito litros. Uma quantidade segura para o animal. Sangue precioso: é como se o cavalo 375 tivesse sido super vacinado e dado uma resposta hiperimune de anticorpos.

Não é todo o sangue que é retirado do cavalo que vai para a fabricação do soro. A parte líquida cor de guaraná, que é o plasma, delicadamente, vai para outra bolsa. A parte vermelha volta para a origem. No caso, o 375 recebe uma reinfusão.

Na sede e a área industrial do Instituto Vital Brazil, em Niterói, no Rio de Janeiro, o líquido é diluído em água de altíssima pureza e submetido a um sofisticado processo de separação para que somente fiquem presentes os anticorpos produzidos pelo cavalo. Passa ainda por uma filtração esterelizante e um rigoroso teste de controle de qualidade para, então, ir ao envase.

“É a primeira vez que se faz no mundo, o soro antiapílico, com tecnologia desenvolvida totalmente no Brasil, pelo Cevap e Instituto Vilta Brazil”, conta diretor industrial do Vital Brazil, Luiz Eduardo Cunha.

O diretor industrial do Vital Brazil explica que o anticorpo é uma proteína com formato de ‘y’. A parte de baixo, que indica a origem equina, é cortada fora. As duas hastes de cima ficam no soro. Quando injetadas no corpo de uma pessoa, localizam as moléculas de veneno e ativam os fagócitos, os soldadinhos glóbulos brancos que vão eliminar as substâncias tóxicas.

O desenvolvimento do soro antiapílico é o resultado de mais de 20 anos de pesquisa da Unesp, especialmente, de dois cientistas: doutor Benedito Barraviera, um dos fundadores do Cevap; e doutor Rui Seabra, atual diretor da instituição e que dedicou mestrado, doutorado e pós-doutorado ao novo medicamento.

Mas o soro antiapílico ainda não está disponível. A Anvisa determina que seja feito também um ensaio de eficácia do produto com um grupo de 300 pacientes, Brasil afora. Tudo dando certo, como até agora, até 2020, o soro poderá estar na rede pública de saúde.

Fonte: g1.globo.com / Postado Edição do dia 10/12/2017

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