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Teles brasileiras discutem formas de flexibilizar neutralidade de rede no país

EUA decidiram nesta quinta-feira que teles podem controlar tráfego na banda larga; empresas brasileiras dizem que restrições do Marco Civil da Internet podem inibir tecnologias como 5G e internet das coisas

15/12/2017

Após os Estados Unidos de permitirem que provedores controlem o acesso à internet, as empresas de telecomunicação brasileiras já discutem que o conceito de neutralidade de rede deveria ser flexibilizado no Brasil para liberar o gerenciamento de tráfego online. Sem isso, defendem elas, a implementação de tecnologias como Internet das Coisas (IoT, na sigla em inglês) e do 5G ficaria comprometida. Para defensores da internet livre, essa é uma tentativa de cobrar mais por um acesso que pode se restringir a serviços selecionados.

A Comissão Federal das Comunicações dos Estados Unidos (FCC, na sigla em inglês) decidiu nesta quinta-feira (14) que a internet banda larga deixará de ser classificada como serviço de utilidade pública no país. Agora, as empresas de telecomunicação estão livres para controlar e até limitar os dados que circulam na internet. Com isso, o órgão liberou as companhias para contornar a neutralidade de rede, um dos princípios da internet que garante que qualquer conteúdo transmitido online seja tratado da mesma forma.

“Isso está sendo discutindo nos grupos fechados, aqueles para tratar de IoT e 5G, e que virá à tona quando estiver na agenda do dia”, afirmou ao G1 o presidente do Sinditelebrasil (sindicato das teles), Eduardo Levy.

O Ministérios da Ciência, Tecnologia e Comunicações (MCTIC) elabora um plano para fazer o IoT, a conversa entre máquinas, deslanchar no Brasil. Junto da Agência Nacional das Telecomunicações (Anatel), a pasta estuda a implantação da quinta geração de banda larga no país.

Segundo Levy, a indústria ainda não fez uma proposta oficial para fazer alterações. “Só estamos vendo o debate nos EUA e relembrando aquilo que já debatemos.”

Neutralidade de rede

A proteção à neutralidade de rede é garantida no Brasil pelo Marco Civil da Internet, em vigor desde 2014 e que funciona como uma espécie de Constituição para uso da rede no país. De acordo com a lei, todos os pacotes de dados que circulam pela internet devem ser tratados de forma igual pelas operadoras. As exceções à regra são as comunicações feitas por serviços prioritários, como saúde e segurança, e avisos de situações de risco.

A opinião de que o entendimento sobre neutralidade de rede tem de ser alterado encontra ecos no governo.

“Do nosso ponto de vista, tanto rede física quanto aplicações impactam não só na possibilidade do acesso do indivíduo como na qualidade desses serviços. A neutralidade é uma questão que permeia todas as camadas. E justificaria ter um tratamento igualitário para todos os agentes de todas as camadas”, afirmou André Borges, secretário das telecomunicações do MCTIC.

“Enxergamos a neutralidade como um direito, mas que tem de reconhecer as características técnicas da rede. E há uma necessidade muito grande de gestão, até para o uso econômico, mais eficiente e acessível ao consumidor. Acho que o nosso tratamento não foi nessa linha e a regulamentação [o Marco Civil da Internet] tampouco”, disse ao G1.

Para Levy, a lei proíbe que as operadoras gerenciem o tráfego que entra em suas redes. Ou seja, veta a manipulação da rede para que dados de determinados serviços corram mais rápido ou passem na frente de pacotes de outros.

Prioridade

“Se você me mandar um e-mail e outra pessoa fizer o mesmo, esses pacotes devem sempre ser tratados igualmente. O que ocorre é que a rede tem equipamentos que são cada vez mais sofisticados e, mesmo não discriminando, fazem uma avaliação do tráfego para dar maior eficiência. Eu posso esperar cinco minutos para receber um e-mail seu, mas não posso esperar cinco minutos para baixar o streaming do Netflix”, diz Levy, que também é representante das teles no Comitê Gestor da Internet (CGI.br).

“A rede poder fazer a sua administração sem discriminar. Ela separa aquilo que é mais importante para trafegar, porque há uma exigência natural dos serviços. Os de streaming precisam ter característica de entrega diferente dos de e-mail, coisa que o Marco Civil da Internet não permite”, diz.

“O conceito de neutralidade precisa ser entendido diferente para IoT e 5G. Se você quiser a prestação de determinados serviços com uma necessidade de qualidade, como a de não ser interrompido ou ficar esperando muito, os dados deles têm que entrar na frente”, justifica Levy.

“Se o Brasil quiser prestar um serviço de cirurgia online, vai ter uma dificuldade. O e-mail que eu mandar estará correndo na rede do mesmo jeito que os dados de uma cirurgia. Não faz muito sentido.”

A restrição ao gerenciamento da rede, diz ele, “faz com que a gente tenha que gastar mais recursos na rede para um mesmo resultado final”. Esse argumento foi muito semelhante ao apresentado por Ajit Pai, presidente da FCC, durante a leitura de seu voto, que selou o fim da neutralidade de rede nos EUA.

“A lei no Brasil ficou rapidamente obsoleta face aos avanços das aplicações online. Diferentes serviços exigem diferentes condições de tráfego, e a operadora precisa flexibilidade para atender requisitos específicos, como latência, por exemplo. E também para cobrar de forma distinta”, afirmou João Moura, presidente da Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas (Telcomp).

Censura

Acadêmicos, ativistas digitais e militantes da sociedade civil defendem a neutralidade de rede. Para eles, criar meios de driblar esse princípio só abriria a porta para as operadoras oferecerem pacotes limitados de internet.

Demi Getschko, presidente do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), afirma que o controle de tráfego, pleito das operadoras, já pode ser feito sem infringir a lei.

“Gerenciar tráfego [na internet], do ponto de vista da engenharia em si, é óbvio que é permitido. Se uma ponte cai em uma cidade, você tem que fazer um desvio. O que não pode é você fazer um desvio dizendo que os carros vermelhos vão por essa rua e os verdes pela outra. Se alguém rompe a fibra óptica em algum lugar, tem que redirecionar o tráfego.”

Único brasileiro no Hall da Fama da Internet e também membro do CGI.br, Getschko afirma que protocolos da internet já permitem isso sem que o conteúdo online seja discriminado.

“Isso não quer dizer que deve separar tráfego por conteúdo, destinatário ou remetente. Você abre uma porta para coisas como censura.”

Sem Pokémon Go

Segundo as teles, a intenção não é usar um afrouxamento da neutralidade de rede para oferecer pacotes de internet que dão acesso a um número limitado de serviços. Nos EUA, no entanto, antes de a internet banda larga ser protegida, surgiram casos de operadoras que barravam o acesso a conteúdos que rivalizavam com seus serviços.

“Dizer que vou te dar uma internet que dá correio eletrônico mas não rede social, ou que dá rede social mas não vídeo, é uma tentativa de colocar a internet em caixinhas, o que, de alguma forma, destrói a própria ideia da internet”, dispara Getschko.

“A internet, ao contrário de um meio tradicional, como a TV a cabo, não te dá a previsão do que vai aparecer. Se você tentar separar em caixinhas ou em silos, pode aparecer um serviço que não se encaixa em nenhum daqueles iniciais. Na TV a cabo, você contrata alguns canais. Na internet, não há um equivalente. Se você estiver fechado em redes sociais, pode perder uma coisa como ‘Pokémon Go’, que surgiu do nada.”

Fonte: G1

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