“Não tenho carro e uso o transporte público. Uma vez me atrasei para uma entrevista de emprego porque o ônibus quebrou e tive que esperar outro, que demorou uma hora. Isso, somado ao tempo que passei no trânsito, fez com que eu me atrasasse muito. Só consegui participar do processo seletivo depois de muita insistência. Não sei se foi pelo atraso, mas acabei não sendo selecionado para a vaga”, conta Vinícius Souza, nome fictício. O caso não é isolado. Uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revela que a população de baixa renda tem acesso a somente metade das vagas de empregos por causa de congestionamentos de trânsito. E o problema se agrava nos percursos entre as regiões periféricas e as áreas centrais das cidades, onde está a maioria dos empregos.
As cidades de São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ) e Brasília (DF) têm os maiores níveis de tráfego, causando uma redução da quantidade média de empregos acessíveis entre 40,7% e 24,6%. Na outra ponta, os municípios de Goiânia (GO), Campo Grande (MS) e São Gonçalo (RJ) são os menos impactados pelo trânsito (redução entre 3,2% e 0,6% de acessibilidade).
Além disso, a população de baixa renda tende a ser a mais prejudicada, chegando a ter uma queda de mais de 50% da quantidade de empregos acessíveis no período de pico do tráfego comparado ao fluxo livre.
Souza mora em Sobradinho II, no Distrito Federal, e trabalha atualmente como agente de portaria, mas tem formação de socorrista e brigadista. Ele busca uma vaga na área profissional. No entanto, a procura por um emprego é prejudicada por problemas no transporte público. O fato relatado ocorreu há cerca de três anos.
“Uma das sugestões de melhoria é justamente aumentar a frota [de ônibus] em horários de pico e fazer novas linhas de ônibus e de metrô”, afirma Souza. “A medida pode beneficiar, inclusive, os que usam o transporte público para procurar emprego”, acrescenta.
O levantamento do Ipea revela que, nas cidades com mais desigualdades entre as observadas pela pesquisa, São Paulo e Belo Horizonte, a população mais pobre sofre cerca de três a 11 vezes mais impacto pelos congestionamentos do que a população mais abastada. “Na capital paulista, por exemplo, no horário de pico, os grupos de maior renda deixam de acessar 20% das vagas que acessariam com trânsito livre. Para os grupos de menor renda, 56% dos empregos tornam-se inacessíveis por causa dos congestionamentos”, diz a publicação.
A pesquisa do Ipea lembra que, do ponto de vista econômico, o aumento dos custos de transporte causados pelos congestionamentos encolhe as áreas de alcance de mercados e de trabalhadores, reduzindo possíveis ganhos de economias de aglomeração.
“A diferença que limita o acesso de ricos e pobres em picos de congestionamento está associada à combinação de dois fatores: os padrões espaciais de localização de empregos e classes sociais e os padrões espaciais de congestionamento. Resumidamente, os terrenos mais próximos dos centros de empregos, muitas vezes próximos ao próprio centro das cidades, são mais caros. Por isso, segmentos de maior renda têm mais chance de ocupar espaços próximos a esses locais”, afirma a pesquisa.
Ainda de acordo com o estudo, outro elemento que agrava a situação de exclusão da população de baixa renda está nas áreas mais remotas das periferias. Nesses lugares, a publicação mostra que o impacto dos congestionamentos é relativamente mais baixo. “O motivo é que essas regiões são tão afastadas dos centros que seus habitantes não têm oportunidade de acesso a empregos mesmo com trânsito livre (considerando o intervalo de tempo de viagem analisado no estudo, de 15 a 45 minutos de locomoção de carro).
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Método
O estudo estima os impactos do congestionamento no acesso a oportunidades de empregos nas 20 maiores cidades do Brasil e analisa como eles se distribuem espacialmente e entre pessoas de diferentes níveis de renda. Para isso, compara o número de empregos acessíveis por automóvel num intervalo de 15 a 45 minutos de viagem no período do pico da manhã e em fluxo livre com base em informações históricas sobre a velocidade do tráfego a partir de dados de GPS em alta resolução.
A pesquisa foi feita em setembro deste ano por Diego Bogado Tomasiello, Rafael Pereira e Vanessa Gapriotti Nadalin. As matrizes de tempo de viagem com fluxo livre foram calculadas com partida às 4h da madrugada. Para as matrizes de hora-pico, utilizou-se a mediana dos tempos de viagem que consideraram múltiplas partidas a cada 15 minutos no período que vai das 6h às 8h.
Já os dados de localização de empregos formais foram obtidos do Relatório Anual de Informações Sociais (Rais) de 2019 do Ministério do Trabalho.
Fonte: www.noticias.r7.com / Publicado em 05/10/2023 – 02H00 (ATUALIZADO EM 05/10/2023 – 07H20)