O avanço da vacinação no Brasil associada à redução de mortes e novos casos de covid-19 levam as empresas e órgãos públicos a retomarem gradativamente as atividades nos escritórios e deixar de lado home-office. Mas, o que pode ser considerado uma volta ao normal positiva, para muitas pessoas é causa de medo e ansiedade.
A psiquiatra Luciana Siqueira, do IPq do HC-FMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), explica que muitas pessoas têm traço de ansiedade ou depressão e em momentos de exceção, como o vivido desde o começo da pandemia, o problema tende a aumentar.
“Mais ou menos 40% da população é acometida de algum sintoma da ansiedade, sendo que a maioria não é diagnosticada, não será diagnosticada e, consequentemente, não será tratada. Muitas sequer percebem o problema. E, no contexto de pandemia, essas pessoas ficaram acomodadas em casa, isoladas e se sentiram seguras”, afirma Luciana.
A médica lembra que o fato de a pandemia ainda não estar encerrada também gera a instabilidade. “Vivemos um momento que a covid ainda apresenta um risco real à saúde, o que pode acelerar os problemas naqueles que já têm alguma chance de desenvolver ansiedade. Até as pessoas mais resilientes, com mais ferramentas para lidar com as adversidades, estão em dificuldade para lidar com tudo o que está acontecendo”, diz ela.
Segundo a especialista, os fatores que levam à ansiedade e à insegurança da volta ao trabalho presencial estão ligados ao excesso de informação sobre a covid-19, às perdas individuais e coletivas que a pandemia gerou nos indivíduos e às próprias características complexas da doença.
“As pessoas têm acesso a uma miscelânia de informações, algumas vezes contraditórias. O quadro da doença é complexo, com a morte ou a infecção de pessoas vacinadas enquanto não vacinados não pegaram covid até agora. Isso gera dúvida sobre o que fazer e como fazer. As questões pessoais se impõem às questões coletivas”, salienta a psiquiatra.
E acrescenta: “Outro fator relevante é que muitas pessoas que viveram luto de amigos ou familiares falecidos e, até mesmo, estão enlutadas pelas perdas coletivas terão mais medo de se colocar em risco. Lembrando sempre que o fato [pandemia] está em curso, ainda não se resolveu.”
Diante da obrigatoriedade da volta aos escritórios e de uma possível perda de emprego caso não aceite o retorno, a médica sugere que cada um faça uma avaliação das consequências, seja qual for a atitude escolhida.
“Todos precisam se colocar em uma balança decisória. Se pessoa não estiver gravemente doente, ansiosa, a ponto de comprometer a capacidade de decisão, tem de pensar: posso perder esse emprego? Consigo trocar de atividade e trabalhar em casa? É necessário ver as opções de vida disponível e o que é melhor individualmente”, observa a médica.
De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o Brasil tem 14,8 milhões de desempregados. Para a grande maioria dos empregados do país, a possibilidade de perder o trabalho ou trocar de atividade é reduzida. Então, quem está com medo de voltar para o presencial precisa lançar mão dos cuidados na prevenção contra a covid para ter mais segurança na volta.
“A ideia é minimizar os riscos de infecção, para criar forças de trabalhar. Tem de usar máscara, a melhor que for possível; fazer o distanciamento, higienização das mãos e uso de álcool. Nada mudou e não vai mudar tão cedo, logo, é preciso tomar medidas práticas de cuidado”, aconselha a psiquiatra.
Nos casos mais fortes de crises de medo e ansiedade, a indicação é que sejam procurados profissionais de saúde.
Para Luciana, a indefinição do fim da pandemia indica que os problemas com a saúde mental ainda estão longe de acabar. “As pessoas têm de lidar com o medo de se expor à doença e o medo de empobrecimento com a perda do emprego, de ter prejuízos e desamparar financeiramente a família. É um contexto favorável ao adoecimento psicológico e mental. Para mim, o impacto já vinha grande na pandemia, mas ainda vai aumentar pela necessidade da exposição à doença. Ninguém precisa se atirar ao risco ou se expor de forma inconsequente. Atenção é importante”, conclui a psiquiatra.
Com o avanço da vacinação no Brasil, muitos estados estão reduzindo as medidas restritivas, a fim de proporcionar o retorno da vida social. Mas como se proteger em locais com muita circulação de pessoas? Para o infectologista Renato Grinbaum, consultor da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia), a retomada da vida social está sendo feita por pressão de setores econômicos e deveria ser realizada de outra forma, para evitar a disseminação de variantes do coronavírus. “Um ponto de equilíbrio seria uma reabertura racional e equilibrada, com fiscalização e restrição de aglomerações, e não uma reabertura impensada e global, que traz riscos num momento de ascensão de duas variantes de risco”
Fonte: www.noticias.r7.com / Publicado em 31/08/2021 – 02H00