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Home office e vida longe dos centros urbanos: as tendências pós-pandemia que chegaram para ficar

Pesquisas apontam que milhões de trabalhadores dos Estados Unidos passaram a morar longe do escritório, para criar filhos e escapar do aumento dos preços imobiliários

Em 2020, Virginia Martin, de 37 anos, morava a 4 km do trabalho; hoje, essa distância pulou para 250. Ela vivia em Durham, na Carolina do Norte, e levava cerca de dez minutos de carro para chegar à biblioteca de Duke. Com o estabelecimento do home office, porém, seu chefe concordou com sua volta à cidade natal, Richmond, na Virgínia, em março de 2022, para poder criar os dois filhos com a ajuda dos familiares.

Sendo “cria das MIAs”, ou seja, as mensagens instantâneas do AOL, não foi difícil manter a amizade com os colegas pela internet; além disso, vai ao escritório diversas vezes por ano para eventos — o último foi a festa de Natal de 2023.

Ela faz parte da expansão da “mudança de CEP” que acomete os EUA, ou seja, é uma entre milhões de norte-americanos que, graças ao home office e ao modelo híbrido, deixaram de morar perto do escritório. De fato, de acordo com um novo estudo que será divulgado esta semana – de autoria dos economistas da Stanford & Gusto, baseado nos dados da própria empresa de terceirização de folha de pagamento –, para muitos, a distância entre casa e trabalho atualmente é o dobro da pré-pandemia.

Analisando o endereço de quase seis mil empregadores e seus funcionários em todo o país, eles concluíram que o espaço médio entre um e outro subiu de 16 km em 2019 para mais de 43 em 2023 – mais que o dobro. A fatia dos que moram a pelo menos 80 km subiu sete vezes durante a pandemia, de 0,8% em 2019 para 5,5% em 2023, sendo que os números permanecem estáveis mesmo com o retorno ao presencial.

Ainda segundo a análise, o fenômeno é impulsionado basicamente pelo setor administrativo, cujo trabalho pode ser feito remotamente, com a maior concentração entre os que ganham mais de US$ 100 mil por ano nas áreas de tecnologia, finanças, direito, marketing e contabilidade. Já os que recebem menos de US$ 50 mil por ano e aqueles que não podem desempenhar suas funções remotamente, porque estão em áreas como o varejo, a saúde e a manufatura, praticamente permaneceram no mesmo lugar.

O perfil do empregado que se afastou do centro urbano se concentra na faixa entre 30 e 40 anos que tem filhos pequenos, e não mais entre os de 20 a 60. Esse grupo também inclui um número significativo de contratados durante a pandemia – o que significa que as empresas, ao adotar o trabalho híbrido, ampliaram o raio de contratação.

Os estudiosos das questões urbanas alegam que os novos dados apenas confirmam a antiga tradição nacional do segmento de alta renda, isto é, a de deixar a cidade em busca de uma casa maior no subúrbio. “Gostamos de casonas e carrões. Faz parte do nosso DNA pós-Segunda Guerra Mundial”, confirmou Richard Florida, especialista em cidades e autor do livro “The New Urban Crisis”.

Acontece que o trabalho remoto e o híbrido potencializaram essa tendência. Uma pequena parcela da força laboral (atualmente por volta de 12%, mas que no pico dos isolamentos por causa da covid chegou a quase 50%) ainda consegue se manter exclusivamente em casa. Alguns optaram pela saída de mercados imobiliários caríssimos, como San Francisco ou Nova York, para se estabelecer em locais menores, às vezes chamados de “cidadezinhas do Zoom “; outros se encontram em um ambiente híbrido, comparecendo ao escritório duas, no máximo três vezes por semana, preferindo encarar percursos mais longos em troca de moradia mais acessível e mais espaço.

Um exemplo é o de Verna Coleman, de 41 anos, que trabalha em uma empresa de comunicação em Nova York. Antes da pandemia, ela morava no Brooklyn e ia para o presencial cinco dias por semana; em 2020, depois da instauração do home office, comprou uma casa em Cincinnati, onde cresceu e quer criar os dois filhos; hoje, vai para o escritório só três dias, semana sim, semana não, e aluga um pequeno apartamento no Harlem.

“É um voo de hora e meia só. Costumo dizer ao pessoal que demora menos do que se eu tivesse de atravessar a Ponte George Washington, o que normalmente leva duas horas e meia de trânsito. Se pego o avião às seis da manhã em Cincinnati, antes das nove já estou à minha mesa. É claro que tem dia que a coisa complica – como o atraso da semana passada por causa do nevoeiro, mas é a opção que escolhi para poder criar meus filhos com mais qualidade de vida e manter a carreira.”

Por outro lado, muitos economistas alegam que os efeitos dessa mudança são problemáticos, com o planejamento urbano penando para revitalizar as áreas centrais em que muitos costumavam comer, beber e/ou fazer compras. Além disso, as próprias companhias e os empresários ainda estão avaliando os prós e contras de um quadro de funcionários disperso.

Noah Lang, CEO da Stride, encarou o home office como estímulo para se livrar do aluguel do escritório da plataforma de benefícios em San Francisco e se mudar para uma casa com a família no condado de Marin. “Poder contratar em todo o território nacional foi bom para a empresa, porque a Stride oferece regalias aos autônomos de todas as partes dos EUA e precisa entender a experiência do cliente muito além da região da Grande San Francisco. Nossa intenção é ajudar o trabalhador de baixa e média renda que, na maioria dos casos, não faz parte do setor de tecnologia, ou seja, não faz parte da bolha da cidade.”

Com o estabelecimento desse fluxo, os economistas temem a possibilidade de ocorrência de um círculo vicioso: menos gente circulando na região central, o que implica menos movimento no comércio e maior sensação de insegurança, fazendo com que menos gente queira frequentá-la. De acordo com a análise da atividade de dispositivos móveis nas áreas do centro feita por pesquisadores da Universidade de Toronto, o tráfego médio continua equivalendo a 75 por cento do que era antes da pandemia.

Entretanto, muitos dizem que a responsabilidade e o desafio de reimaginar os centros urbanos para se adequarem às mudanças demográficas são do governo municipal. A Flórida, por exemplo, estimula os municípios a transformá-los em ponto turístico ou destino para quem trabalha em casa e quer socializar fora.

Um estudo publicado em 2023 sobre 26 regiões centrais dos EUA concluiu que, em média, o visitante é responsável por 61 por cento do tráfego a pé da área; já o morador, por 11 por cento. “O futuro do centro é se tornar um espaço de entretenimento, cultura, diversão e esportes”, afirmou o representante do governo estadual da Flórida.

INTERNACIONAL | por The New York Times | Emma Goldberg

Fonte: www.noticias.r7.com / Postado em 08/03/2024 – 02H00

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